Consolai o meu povo

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Na leitura do 2º Domingo do Advento, Isaías se diz enviado por Deus a consolar o povo que gramava dura escravidão na Babilônia. Há décadas, os judeus se viam sem futuro, fadados a perderem a própria identidade. Seriam assimilados por outros povos. Às vésperas de 539 a.C. foi dada missão ao profeta: “Consolai o meu povo, consolai-o… dizei em alta voz que sua servidão acabou…” (Is 40,1-2).

Aos judeus coube a missão de serem a semente do futuro povo de Deus, o que seria formando de todas as gentes. Então, a missão do Profeta não era de palavras vazias, e sim a de restaurar os então judeus escravos, tirando-os da servidão para serem o ponto de partida na formação do definitivo povo de Deus; povo que superaria os limites estreitos que caracterizam as diversas nações. Daqui o preceito dado ao Profeta: “preparai no deserto o caminho do Senhor”.

Necessitamos de espaço para situar no devido contexto a nossa reflexão. Conhecemos, razoavelmente bem, as imponentes estradas construídas pelos romanos. Mas elas eram poucas. Então, quando da passagem do rei por algum lugar, os arautos o antecediam, conclamando os habitantes a preparem os caminhos por onde passaria a “sua majestade”. As trilhas deveriam ser arrumadas, os lugares embaideirados, os aplausos, os cânticos, as aclamações e discursos adulatórios, programados.

Agora (1ª Leitura), o Profeta conclama para que tudo fosse preparado para triunfal cortejo: o povo liberto passaria e encabeçando-o, estava o Deus libertador. Urgia a mais perfeita preparação. Daqui o “preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas…”.

É de se obervar: no Evangelho (Mc 1,3) Marcos cita a 1ª Leitura (Is 40,3) alterando-a. A tabela que elaboramos mostra alguma diferença:

Is 40,3-4 Mc 1,3
Voz que grita: preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada do nosso Deus.
Nivelem-se os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas…
Esta é a voz daquele que grita no deserto, preparai o caminho do Senhor. Endireitai suas veredas.

Marcos supõe que os seus leitores tenham presente o contexto da fonte que citou. Mas, conscientemente ou não, ele alterou a localização da palavra “deserto”. Com isso, de certa maneira, empobreceu o dinamismo encontrada na fonte. E desejamos explorar este item.

Deserto, no Bíblia, tem o conceito que dele fazemos: lugar árido, difícil de nele viver, carente, estéril, desafiador. Contudo, para na Bíblia há o sentido de espaço onde se encontra Deus com maior profundidade e fecundidade. Mas é também, lugar onde o demônio se faz presente; desafiadoramente.

É o que estamos a viver no advento: antes e acima de tudo, é a espera e a concretização do Deus-conosco, do Deus que vem e quer vir sempre e cada vez mais nos corações de todos e da sociedade. Todavia, há um deserto desafiador, demolidor, até mesmo destruidor de Deus. Basta ver o que acontece nos meios de comunicação, no ambiente no qual vivemos: fala-se do nascimento de Jesus? Há lugar para ele? Ele é o grande ignorado. Enquanto isso, os “santuários do deus do comério, Mercúrio” (lojas, supermercados, shoppins, estão abarrotados. O Aniversariante é ostensivamente ignorado, substituído por papais noeis estapafúrdios, por presentes, comes e bebes transformados em ídolos. Fala-se, pensa-se de tudo, e em tudo, menos em Jesus. O pior é que vazio começa nos corações

Chegamos ao final do espaço concedido para este artigo. Mas que criemos outro, agora em nossos corações, para que neles o Senhor encontre guarida e, dessa maneira, aconteça, verdadeiramente, o mistério natalino. E que sua salvação atinja todos os recantos da sociedade. Que em nada e em ninguém aconteça a paganização do Natal, o assassinato do Deus que está para chegar.

Que o Advento seja momento de espera e de encontro entre Cristo e a humanidade.