Nem o dia, nem o mês, nem a hora

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Véspera de Natal 2014.

Tomamos a liberdade de partilhar nossa reflexão com leitores que nos acompanham em nossas considerações. Desejamos, com corações comungantes, rezar, mas dispensando palavras.

Nem o dia, nem o mês, nem a hora! E acrescentamos: nem o tempo, nem o lugar, e nem o ano. Sim! Ignoramos essas referências a respeito do nascimento de Cristo. Os critérios tempo, lugar e situações se calam para que fale alto o segredo celebrado e que foge de qualquer cerceamento, de qualquer apropriação. Então, o mistério “Deus-conosco” não é “prisionável” porque ele é todo, de todos e para sempre. Foge das categorias temporais, espaciais, pessoais. Ele é transcendente, eterno.

Sim. Falamos do Natal.

Ignoramos quando e onde se deu o Natal. Sendo mais explícitos: não sabemos o dia, o mês, o ano e a hora do nascimento de Jesus, E vamos além: não ignoramos hipóteses de especialistas sérios que questionam se Jesus nasceu mesmo em Belém. Na verdade, o Mestre jamais foi chamado de belemita ou betleemita; não só quando vivo, mas também na morte e depois, ele foi identificado como o “nazareno”.

Para evitar divagações acadêmicas, e até mesmo “espanto” dos não afeitos às investigações, confessamos acatar que o Menino nasceu em Belém. Arrimamos a nossa tese nos textos evangélicos e na arqueologia bíblica, como expusemos nesta página da Paróquia.

Então, é-nos simpático e enriquecedor considerar que o mistério do “Deus-conosco” foge das categorias tempo-espaço.

Falando de nós mesmos, temos presente, e de modo marcante, a data, o lugar e a hora de nosso nascimento. Recebemos este legado dos lábios maternos. Nossa mãe sempre foi atenta aos dados pessoais dos familiares e aos pormenores dos seus queridos. Cedo ela nos deixou claro que viemos a este mundo em Dourado, R. Santos Dumont, 46, dia 23 de fevereiro de 1930, às 17h30.

Mas, depois descobrimos que, antes disto tudo, éramos detentores de um projeto divino. Nascemos inseridos no mundo terreno, mas abertos ao que fugia das limitações espaço e tempo históricos acima acenados. Sim, aqui chegamos, mas abertos à pátria celestial, à eternidade.

Mas, voltemos ao caso de maior interesse: onde, quando e como Jesus nasceu?

É dificílimo delimitar com precisão tais dados. Contudo, o mistério que foge de tais categorias, se abriu a algo mais profundo e de maior relevância salvífica. Antes de tudo foi um projeto divino, portanto, amoroso; a seguir, “Alguém” entra em cena: Maria. Segundo os critérios humanos, ela era ainda bastante inexperiente pela sua idade: uns doze anos. Além dessa realidade, juridicamente ela não se pertencia: era “propriedade” de José que, de alguma maneira a adquirira. Era o que convencionalmente chamamos de “noiva”. Mas, acatar a proposta divina seria abraçar a execução capital: morreria apedrejada (Dt 22,23-24). Sem falarmos da morte moral: ser por todos considerada adúltera.

Nestas circunstâncias limitantes e até excludentes, Deus pediu à Virgem abertura para o infinito. A humanidade precisava de seu contributo em perspectiva da eternidade.  E ela disse “Sim” e o Verbo se fez encarnado. É o mistério do Natal.

Felicidade nossa; ao dizermos “sim” a exemplo de tão excelsa Mãe, o Verbo vai se fazendo carne em nosso peito (1Cor 3,16-17); ao dizermos sim, comunitariamente, o Verbo continua se fazendo presente no “entre nós”, amalgamando-nos em comunhão com ele, com os irmãos e com o mundo (Mt 18,20). Tudo em vista da confraternização eterna, definitiva.

Com razão recitamos nestes dias na Oração Litúrgica: “Não germe de homem, mas sopro divino no seio gerou. O Verbo de Deus se fez nossa carne, o ventre deu flor”.

Nesta visão e assumindo o sentido profundo a encarnação, a todos os leitores desejamos, de coração, Santo Natal.