Oração: cada vez melhor

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Comecemos pelo título; a tendência é substituí-lo por: “Oração, cada vez mais”. De antemão auguro: que esta oração sempre e progressivamente ceda maior espaço para a “cada vez melhor”. E que, sem eliminação alguma, se passe da oração quantitativa e formal para a qualitativa e cordial. Mais ainda: que o orante penetre no mistério da crescente e íntima comunhão com Deus, a que plasma almas enamoradas e leva à fraternidade universal e aos fecundos apostolado e diaconia.

Nos dois últimos finais de semana, na Paróquia foi apresentado o meu livro: “A oração de e em S. Paulo da Cruz”. Escrevi atendendo pedido; e o trabalho me foi sumamente enriquecedor.

O Santo é reconhecido como o maior místico do seu século.  Investiguei o seu processo oracional. Desde cedo se manifestou afeito às coisas de Deus: alimentava seus anseios pelos valores transcendentais, pelas coisas do alto. Jovem, ainda, adentrava-se pelas sendas da espiritualidade lendo e refletindo grandes místicos como: S. João da Cruz, S. Tereza D´Ávila, Taulero, S. Francisco de Sales. Por eles iluminado, dava passos sucessivos de enamorado de Deus. A Bíblia lhe era a fonte inspiracional.

Contudo, a meu ver, o salto qualitativo e específico que transformou Paulo Francisco Danei em, cada vez mais Paulo da Cruz, se deu no ano 1724, em Troia. Com seu irmão, João Batista, e em reflexão com D. Cavalieri aconteceu nova experiência de Damasco (At 9,1-22): descobriu o sentido mais profundo da “Paixão de Cristo”, do “Fazer Memória da Paixão” (1Cor 11,24-26). Ilumino tão sublime acontecimento, servindo-me da mitologia: como das ondas do mar, fecundadas pelo sangue de Urano ( = Céu), surgiu Vênus ( = Amor), assim, do sangue do Crucificado emergiu o nosso Santo e, com ele e nele,  especiais carisma e mística. Não sem especial significado, a partir de então, passou a assinar: Paulo da Cruz. Sua vida se tornou passiocêntrica e sua oração, passiológica. E assim, o Santo chegou a ocupar lugar destacado na galeria dos místicos, e fundador de escola oracional a ser conhecida, seguida, alimentada e difundida, como acenaremos.

Os Evangelhos apresentam o orante Jesus sempre em intimidade com o Pai. Mas, sobremaneira na cruz, precisamente quando, a centenas de metros, no templo, os judeus imolavam as vítimas pascais que seriam consumidas naquela noite. Durante a imolação, cantavam: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sl 22[21],1ss.). E na cruz, o verdadeiro Cordeiro Pascal imolado, com o coração e com a vida, fazia a mesma súplica dolorosa.  Sua oração era doação plena e amorosa ao Pai e em prol dos irmãos carentes de salvação. Então, daqui concluo: a oração cristã é, necessariamente, essencialmente passiológica. A narração da origem de Venus é pálida imagem do que aconteceu no mundo e nos corações regados pelo sangue do Crucificado: emerge a oração cristã que, por natureza é “passiológica”. E o livro “A oração de e em S. Paulo da Cruz” pretende revelar, alimentar e difundi-la.

Urge insistir: mais do que a dor e o sofrimento, a Paixão de Jesus revela o amor apaixonado, quer do Pai (Rm 5,6-10), quer do Filho (Jo 13,1), em prol da humanidade. Tal amor apaixonado e de doação é a fonte, a inspiração e o alimento da oração cristã passiológica.

Hoje, quinta-feira da 3ª Semana da Quaresma, no Ofício das Leituras, o escrito de Tertuliano (nascido pelo ano 150 de nossa era), me surpreendeu. Falando da oração diz que ela é o “sacrifício espiritual que aboliu os antigos sacrifícios”, que é dela ser “oferenda” como a do Senhor. Então pensei: a oração passiológica deve levar o orante a ir além das preces decoradas ou encontradas em livros. Deve embebedar-lhe do amor revelado por Cristo, na cruz (Jo 15,12-13). Então questiono: é possível oração que não seja passiológica? Se o amor do Crucificado não impregnar o orante, deixa de existir oração.

Esse clímax me levou a tecer estas considerações. S. Paulo da Cruz, mestre espiritual, é farol para a “oração cada vez melhor”, a que leva à intimidade e comunhão com Deus. Nelas inflamados, surgem corações passiológicos apaixonados, apóstolos de Cristo Crucificado, “maior manifestação do amor divino”, como dizia no nosso Santo, e fecundos trabalhadores na seara do Senhor.