Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Chegando a este mundo, trazemos “marcas” em nossos corpos e em nossos corações. Dados genéticos se disseminam em nosso físico: somos mais ou menos parecidos com os antepassados próximos ou remotos. Além disto, o profundo de nosso ser traz outras “marcas” e heranças indeléveis que nos enriquecem ou nos cerceiam por dentro.
Sabemos que trauma significa ferida, chaga, cicatriz. Agora a tomamos no sentido genérico de “marcas”. Um lar harmonioso ou desarmônico não deixa de influenciar positiva ou negativamente o futuro nenê. Poderíamos dizer que elas são os primeiros passos na vida afetiva e cognitiva da criança. Nascendo, tudo lhe é novidade e se oferece aos sentidos, verdadeiras janelas que se abrem ao mundo: olfato, audição, paladar, visão, ponderabilidade, tato… E a vida vai se torna desafio.
Ao conhecer as coisas, depois de serem detectadas, elas precisam ser definidas. A definição é recurso de tê-las presentes, mesmo em suas ausências; se não nas mãos, ao menos estarão na mente. Definir com precisão é arte, é sabedoria e é enorme desafio. Desafio que nos leva a uma estrada maravilhosa: a do conhecimento.
Já gastamos muito papel e tinta e a tentação de continuar é grande. Mas é hora de irmos ao problema: que diz o título deste pequeno estudo? “Soma”, em grego, significa corpo e “sema” quer dizer tumba, sepulcro.
Na Vigília Pascal que acabamos de celebrar, na medida em que tudo se encaminhava para a proclamação do mistério da Morte e Ressurreição de Jesus, eu rendia graças ao Senhor pela revelação, pela graça e pelo dom da vida eterna. Agradecia, também, por ter sido batizado numa Vigília Pascal (19 de abril de 1930). Algumas pessoas mais achegadas sabem que celebro meu natalício nessas sublimes efemérides. Vários irmãos e irmãs me felicitam, então, na ocasião. Indo para o início da cerimônia que aconteceria fora da igreja, o Dr. Jarbas veio ao meu encontro dizendo: “como vai o nosso aniversariante?”. Vibrei! Fui mais inflamado, ainda, para tão santa liturgia.
Mas, por que SOMA e SEMA intitulam o artigo?
Para a grande maioria dos gregos, o corpo era a sepultura da alma. Cabia ao filosofo, ao educador, tudo fazerem para libertar tão nobre prisioneira da prisão corporal transformada em tumba execranda. Por isso, foi impossível aos atenienses aceitarem a mensagem da ressurreição de Jesus e da nossa (At 17,16-34). Mas o cristianismo reconhece o ser humano como um todo digno e santo; o corpo que acolhe a alma que o vivifica, na visão cristã, é templo vivo de Deus, morada do Espírito Santo (1Cor 3,16-17). Ambos são inseparáveis para sempre. Então, na riquíssima Vigília Pascal, a rainha de todas as celebrações, como disse Santo Agostinho, a morte não é a vencedora; na ressurreição de Cristo está a ressurreição de todos os mortais. De todos os mortais e do mortal todo: corpo e alma. E a vida nova que é dada à humanidade, não é uma utopia, uma quimera ou algo distante, quase que inatingível. No Senhor, somos chamados a procurar sempre, constantemente, as coisas do alto, pois já temos em semente, aqui na terra, a ressurreição (Col 2,12; 3,1). É de vivê-la, crescentemente, até a eternidade.
No turbilhão de ideias que vinham à minha cabeça, durante a celebração, imaginava: lamentável os gregos, tão afeitos à filosofia, não valorizarem o corpo. Mas, de imediato me veio à mente: não é menos lamentável supervalorizá-lo, em detrimento de outros valores mais elevados. É triste viver “vemiformemente”, arrastando-se pelo chão, como se aqui estivessem todos os valores. Lamentável só ouvir os clamores materiais do corpo, tê-los como meros instrumentos de fruição passageira, vazia, egoísta e exploradora. Se os gregos estavam num excesso, agora, o materialismo ou hedonismo reinante está na outra. E como é maravilhoso ver o equilíbrio, a riqueza da mensagem cristã: valorizar o ser humano como um todo, quer no aspecto material, quer no espiritual. Lutar para que todos os valores humanos sejam devidamente cultivados: todos os humanos os tenham ao seu alcance. Assim, que após a peregrinação terrena, todos tenham a felicidade da grande comunhão (1Cor 15,28).