O tamanho da salvação de Deus

Texto de P. Alcides Marques, CP

A palavra graça significa dom, presente, oferta. A graça é de graça! Ou seja: ou ganhamos ou não ganhamos. Ninguém compra. Nós cristãos poderíamos então perguntar: a graça é só para nós ou para a humanidade inteira. Observe as palavras da consagração na Missa: “corpo dado por vós e por todos” e “sangue derramado por vós e por todos”. Se a oferta da salvação é destinada a todos, por que a possibilidade ficaria restrita?

O objetivo deste texto é ajudar você, meu irmão e minha irmã, a aquietar o seu coração diante das opções religiosas (ou não) de várias pessoas queridas que fazem parte de sua vida e também de suas preocupações com as pessoas boas, dignas, sinceras, que não fazem parte de nossa Igreja ou não tenham a fé cristã ou até mesmo não creiam em Deus. Seriam todas elas mal intencionadas? É claro que não. A nossa Igreja teve que percorrer uma longa caminhada histórica para reconhecer a possibilidade de salvação também para os “de fora”.

O Concílio de Florença (1439-1435) tem uma visão bastante restritiva da salvação: “Crê firmemente [a Igreja Católica], professa e prega que ninguém que não esteja dentro da Igreja Católica, não só pagãos, mas também judeus, hereges e cismáticos, pode tornar-se participante da vida eterna, mas irá ao fogo eterno”. Aqui não tem nenhuma exceção.

Já o Concílio de Trento (1545-1563) apresentou uma atenuante: “Depois da promulgação do Evangelho, não pode dar-se [a justificação do ímpio] sem o banho da regeneração [o Batismo] ou por seu desejo, conforme está escrito: ‘Se alguém não tiver renascido pela água e pelo Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus’( Jo. VIII, 5)”. O batismo de desejo diz respeito não são apenas aos que estão se preparando ao batismo, mas a todos os que desejariam o batismo (se tivessem conhecimento do mesmo).

O papa Pio IX (1854) apresenta uma atenuante mais forte ainda. “… aqueles que laboram em ignorância invencível de nossa santíssima religião e aqueles que guardando zelosamente a lei natural e seus preceitos gravados nos corações de todos por Deus, e estando prontos a obedecê-lo, vivem uma vida honesta e justa, podem, pelo poder operante da luz e graça divina, atingir a vida eterna” (Alocução Singulari Quadam). Em resumo: ninguém pode ser culpado daquilo que não sabe e não pode saber. É a ignorância invencível, que não pode ser superada.

O Concílio Vaticano II aprofunda a tese de Pio IX: “Por conseguinte, não poderão salvar-se aqueles que, sabendo que Deus a fundou por Jesus Cristo como necessária à salvação, se recusam a entrar ou a perseverar na Igreja católica” (Lumen Gentium, 14). Mais ainda, afirma explicitamente a possibilidade de salvação aos cristãos não católicos: “Por isso, as Igrejas e comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação” (Unitatis Redintegratio, 3).

O mesmo vale para os não cristãos: “Aqueles que ignoram sem culpa o Evangelho de Cristo e a sua Igreja, mas buscam a Deus na sinceridade do coração, e se esforçam, sob a ação da graça, por cumprir na vida a sua vontade, conhecida através dos ditames da consciência, também esses podem alcançar a salvação eterna” (Lumen Gentium, 16). E até mesmo os que não acreditam em Deus: “Nem a divina providencia nega os meios necessários para a salvação àqueles que, sem culpa, ainda não chegaram ao conhecimento explícito de Deus” (LG 16).

Não se trata evidentemente de uma salvação automática, mas da possibilidade de salvação. Nós não somos donos de Deus. Não é Deus que deve fazer a nossa vontade, mas nós é que devemos fazer a Vontade de Deus. E a vontade de Deus é que “todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2,4). A oferta e a possibilidade de salvação são oferecidas a todas as pessoas. Todas vão aceitar? Bom… isso são outros quinhentos!