Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Estou participando de programado retiro anual. É momento forte de recolhimento no qual é dado refletir a estrada percorrida, a corrigir desvios de rota, de acertar o piloto automático e de restituir a imantação do ponteiro da bússola que indica o norte existencial.
E hoje, inesperadamente, vi minha atenção voltada para versículo que me questionou diferentemente. Deixei-me levar pela solicitação espontânea e por iluminações que foram surgindo. Agora me vejo dando alguma forma ao que foi aluvião de ideias e partilhando com os habituais leitores. Assim, os faço presentes e antecipo artigo a ser escrito, em casa.
Como chuva inesperada, veio-me fortuitamente aos olhos, à mente e ao coração, o versículo que fala da terra vazia, informe e inanimada, na criação do mundo. Já é madrugada adiantada; o silêncio é convidativo, maior do que o ordinário. A programação do dia foi cumprida. Então, me ponho a escrever, iluminado pelo versículo fontal: “um vapor subia da terra e umedecia a superfície do solo” (Gn 2,5). Interrogo-me, ainda: o que me diz o hagiógrafo? A mensagem é partilhável com leitores distantes, mas em comunhão?
Conheço erupções vulcânicas de perto, uma até mais próxima do permitido pela prudência. Mas, de imediato me vieram à mente os gêiseres; jamais os vi e pouco sei deles. Eu os imagino esguichantes, sibilantes, saindo violentamente do seio do solo. Deixam-me a impressão da terra querendo gerar vida ou revelar segredos potências da natureza. Parece-me dizer como a esfinge de Tebas: “decifra-me ou te devoro”.
Tudo era misterioso no início do mundo e, então, do pó da terra o Criador formou um boneco de barro e o vivificou com o “sopro vital” (Gn 2,8). E surgiu o ser humano tão dotado, participando da vida vegetativa, sensitiva, racional e aberto ao sublime.
Poderia ficar nessa reflexão que, sem dúvidas, seria enriquecedora. Mas, de imediato passei para outros gêiseres, outros vapores, outros “sopros” que enriqueceram o meu dia e, agora, partilho com os saudosos leitores.
Partindo do vapor que saia da terra, passei para o sopro divino que vivificou o boneco de barro. E, de imediato, cheguei ao significativo “sopro” de Jesus na cruz. Desafiante e enriquecedoramente, João não diz que o Mestre expirou, e sim, que “entregou o Espírito” (Jo 19,30). A partir daquele momento, a Igreja, mais do que o boneco de barro, estava sendo vivificada e, mais ainda, “divinizada” pelo mais íntimo do Senhor. E o que era uma simples sociedade humana, com qualidades e limitações inerentes como as demais, tornou-se também divina, salvífica; fruto do sopro oriundo do Crucificado-Ressuscitado.
Lendo Jo 20,19-25, leitores menos avisados pensariam que “três dias” depois da morte de Jesus, no dia da ressurreição, estaria sendo dado novamente o Espírito Santo. Não! Absolutamente não! O mesmo Espírito Santo, dado por ocasião da morte do Senhor, agora o é como antídoto contra o pecado. A vida precisa ser defendida do agressor deletério. A Igreja, vitalizada pelo Paráclito, nele teria condições de perdoar pecados, de lutar contra o mal.
No Pentecostes de At 2,1-21 não se fala, também, no dom do Espírito Santo que, enfatizando, foi doado por ocasião da Morte e Ressurreição de Jesus. A narração revela que, por meio dele, aos cristãos era dado o dom de, mesmo na confusão babélica dos idiomas neste mundo, falarem a única e verdadeira língua, a do amor. Recalcando, essa é a única língua inteligível por todos os povos. Neste contexto se compreende melhor o discurso de Pedro rebatendo a acusação dos inimigos. O Apóstolo afirma que os cristãos não estavam embriagados pelo álcool originário da cana, mas pelo originário do amor revelado no Calvário.
Então, a embriaguez dos discípulos do Senhor, é a oriunda de força fecunda e generosa, o sopro vindo do alto e que leva ao amor chamado de oblativo, distinto ou diverso do fruidor. Este é egoísta, egolátrico e leva ao servir-se do outro. Aquele, altruísta, leva a morrer por quem se ama (Jo 15, 12-13). Dificílimo de ser assumido, abraçado, mas exequível com a graça divina.
Transcorrendo a estrada sugerida pelo “vapor que subia da terra”, chegamos ao “sopro vital” oriundo do Crucificado que é a maior escola do verdadeiro amor.