Fé e Razão: juntas ou separadas?

Texto de P. Alcides Marques, CP

Como é a história da nossa fé? Por que acreditamos em Deus? Parece que a maioria de nós chegou à fé através de um conjunto de fatores e não de uma razão em particular. Poderíamos dizer que Deus emergiu em nossa vida e nós acolhemos a sua presença. Talvez pelo testemunho significativo de pessoas com as quais convivemos, talvez por experiências marcantes, talvez por inquietações interiores.  Talvez por todas estas razões. O certo é que cremos e pronto.

Mas será que devemos crer às cegas, ou seja, sem levar em conta a nossa razão, a nossa capacidade de pensar de uma maneira crítica e rigorosa?  Será que para sermos cristãos, devemos ser contra a razão, irracionais?

Pensemos o seguinte: enquanto seres humanos, nós somos seres racionais. Não somos apenas seres racionais e a razão humana não é o único recurso que dispomos para atingir a verdade das coisas. Mas é preciso admitir que por sermos (também) racionais, precisamos passar pelo crivo da razão as coisas da fé. Em outras palavras, precisamos dizer para nós mesmos que crer não é um ato absurdo, sem sentido, irracional; precisamos dizer que é razoável crer e que a fé não se opõe à razão.

Muitos católicos acreditam sem maiores problemas e passam a vida inteira assim; nutrem uma vida de fé bastante tranquila. Outros, porém acreditam em meio a uma série de dúvidas. Para piorar, alguns não sabem como reagir. Não sabem se ficam acreditando na base da teimosia ou se dão vazão aos argumentos contrários à fé. Pensemos particularmente nos jovens ou nas pessoas que adentram o mundo universitário e, consequentemente, da ciência. O perigo é o abandono da fé ou o refúgio em posturas ultraconservadoras. Infelizmente é isso o que tem acontecido.

A Igreja católica entende que pela razão nós podemos sim chegar até Deus. Essa afirmação vem do Concílio Vaticano I (1869-70). “A mesma santa madre Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas” (Constituição Dogmática Dei Filius, II). Observe que não diz “deve”, mas “pode”; pois a Igreja reconhece que nem todas as pessoas precisam da razão para chegar até Deus. Mas uma coisa é certa: a razão é um caminho para se chegar a Deus. E, quando necessário, precisamos percorrer este caminho.

Alguns poderão dizer o seguinte: se eu posso chegar até Deus pela razão, então não preciso de fé? Precisa sim. Precisa porque a razão não tem condições de atingir as verdades reveladas, como: a natureza divina de Cristo, a Santíssima Trindade, os sete sacramentos e assim por diante. A Igreja não afirma que somente a razão basta. Precisamos ir além da razão. Daí a revelação. Uma coisa é saber que Deus existe – o que podemos chegar pela razão; outra coisa é saber quem Deus é e qual é o seu desígnio – o que não podemos chegar pela razão, pois precisamos da revelação.

Nada de cair no fideísmo para ser cristão. Fideísta seria aquela pessoa que crê sem admitir nenhum tipo de confronto com a razão humana, crê por crer. Daí o nome fideísta. Por uma ironia, o fideísta acaba sendo bastante parecido com o agnóstico. Um, o agnóstico, se fecha na razão e se proíbe considerar a existência de Deus; outro, o fideísta, se fecha à razão e se proíbe considerar qualquer dúvida de fé. Nós cristãos precisamos crer com fé e com razão. A razão não substitui a fé e a fé não substitui a razão. Precisamos das duas. Você está disposto (a) a colocar sua inteligência a serviço da sua fé?