Santa Gemma Galgani

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

O ser humano é um mistério de per si: existiu antes de existir. A tese é paradoxal? Não, necessariamente! A aparente contradição é sublimidade a ser constantemente desvendada. Como a esfinge, os mistérios  nos desafiam a serem decifrados.

Se as coisas que fazemos, antes de concretizá-las as projetamos, como conceber o ser humano como se fora fruto de cega e esdrúxula geração espontânea? Ao Profeta, o Senhor lhe disse: ”Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já contava contigo, antes de saíres do ventre, eu te consagrei e fiz de ti profeta para as nações” (Jr 1,5).  Isaias e Paulo dirão algo semelhante.

Isto não significa que os seres humanos chegam ao mundo marcados por determinismo aviltante, degradante. Ao contrário, veem prendados com o uso da razão e, sendo racionais, são livres e dotados do livre arbítrio: tanto podem anuir como desdenhar o projeto divino.

Em sua caminhada histórico-salvífica, a criatura racional encontra circunstâncias favoráveis e desfavoráveis, cabendo-lhes, com a graça de Deus, optar com maior ou menor felicidade. É o que encontramos em Santa Gemma cuja festa celebramos no dia 16 de maio.

A partir da Autobiografia que o Diretor Espiritual exigiu que escrevesse, é relativamente fácil descobrir o dedo de Deus na vida da Santa. O plano divino foi se tornando um projeto assumido pelo coração da inocente criança. Mesmo nas limitações da idade, ela foi dando os primeiros passos em direção ao apelo do Pai. O misterioso encontro entre o “eu-humano” com o “tu-divino” vai tomando forma. Cada lance de sua vida se torna fonte de ensinamento, fonte de reflexão.

Iniciando sua Autobiografia, Gemma afirma que a recordação mais remota que guardava de sua infância era a da mãe abraçando-a e dizendo entre lágrimas, que rogara tanto a Jesus tê-la, mas que brevemente deveria deixá-la. Se pudesse, afirmava, a levaria consigo. E perguntava: “Irias?”. Gemma, chorando, queria saber aonde. E dona Aurélia: “Ao paraíso com Jesus, com os anjos”. E a Santa ajunta: “foi minha mãe quem me fez desejar o paraíso desde pequenina”. E esse foi o seu grande projeto de vida.

Algum tempo depois, com sete anos, Gemma foi crismada. Descreve algo acontecido, então: “…de repente uma voz em meu coração me disse: `Tu me dás tua mãe para mim? `Sim´ – respondi – ‘na condição que me leveis, também’. `Não´ –  repetiu-me a mesma voz – `dá-me livremente tua mãe. Permanecerás, por hora, com teu pai. Eu te levarei ao céu, sabes? Dar-me-ás de boa vontade?´. `Fui obrigada a dizer sim. Terminada a missa, corri para casa. Meu Deus! Olhava mamãe e chorava; não podia me conter´”.

Acontecimentos tais podem ser contestados, pedir reparos e aprofundamentos. Mas, se na ocasião a mãe passasse a ideia de valores puramente materiais, como a ambição de galgar ou conquistar posições, valores puramente terrenos, eles receberiam os mesmos reparos?

O certo é que, sementes de valores sobrenaturais e perenes foram lançadas no terreno tenro do coração inocente da Santa. E ela as acolheu e foi colaborando para que germinassem, crescessem e se tornassem árvore fecunda. Foram palavras de mãe clarividente que marcaram uma alma eleita. São discernimentos que merecem ser lidos e discernidos sob o prisma de luzes especiais. Diferentemente, Santa Gemma não será devidamente compreendia, como incompreensível ficará o projeto divino, em sua vida. Seguir seus passos santificados é palmilhar as sendas da mais alta espiritualidade.

A piedosa Santa Passionista morreu com apenas vinte e cinco anos de idade. Mas o tempo foi suficiente para que, em tão breves anos atingisse os mais elevados píncaros da santidade cristã. Praticamente ela é de nosso tempo e, como tal, pode ser modelo para todas as almas sensíveis aos apelos da sublimidade.

Hoje, Santa Gemma Galgani é intercessora e modelo para todos os que não se contentam com a mediocridade, mas que miram as alturas da sublimidade cristã.