Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Sabemos que “lugar” é mera categoria mental, um “faz de conta existencial”, para que nos situemos no “espaço indefinido”: a eternidade. É ilustrativa a questão: “se existe o lugar, em que lugar ele está?”. Carecemos, então, de parâmetros concretos para distinguir o aqui do ali e nos localizemos na imensidão indeterminada. Diferentemente, não saberíamos donde viemos, onde estamos e aonde vamos. Seríamos uma espécie de andarilhos, sem eira nem beira, não passaríamos de misantropos existenciais. Estaríamos desencontrados conosco mesmos.
Escrevo estas considerações por ocasião da festa da Ascensão. Pela Ressurreição, poderíamos ter a impressão de estarmos celebrando uma solenidade estática: eu que deixara de viver estaria regressando à vida. Sem condições de defini-la, nós a caracterizamos como “automovimento”, dotada de ação ou crescimento a partir do interior, entitativamente. Não “crescemos” por agregação como acontece com os minerais, mas por processo dinâmico. Se por meio da ressureição não se vai, necessariamente, de um lugar para o outro, ao menos se passa de um estado de menor para o de maior perfeição, embora o retrocesso, lamentavelmente, pode ser realidade. Mas, não comungando com o absurdo da nadificação, queremos viver sempre superando a morte pela ressurreição dinâmica, crescente.
Arrimado nas Escrituras, encaramos a ressurreição como processo profundamente dinâmico, máxime tendo presente a chamada “ressurreição incoativa”. Em Col 2,12-13 se afirma: ”Com ele (Cristo) vocês foram sepultados no batismo, e nele vocês foram também ressuscitados mediante a fé no poder de Deus, que ressuscitou Cristo dos mortos. Vocês estavam mortos por causa das faltas e da incircuncisão da carne, mas Deus concedeu a vocês a vida juntamente com Cristo”.
É de se considerar os pretéritos perfeitos “foram sepultados”, “foram ressuscitados” e “concedeu a vocês a vida”. Então já aconteceu algo, em semente, num passado mais ou menos distante, mas que um dia, na chamada parusia ou plenitude da revelação definitiva, se concretizará definitivamente.
Estas colocações se confirmam em Col 3,1-4: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto… cuidai das coisas do alto… Quando Cristo, vossa vida, se manifestar…”. Então, a semente da vida eterna, a saber, a ressurreição, já é realidade palpitante que se faz dinamicamente presente em cada um de nós e ela deve ser trabalhada diuturnamente.
Então, não é de se considerar a ressurreição como algo estático e sim dinâmico, exigente, até a concretização de tudo, no seio do Pai. É a chamada ressurreição incoativa que já começou e está palpitante em nós. Além disso, na ressurreição do Senhor está o penhor da nossa.
Se a ressurreição é considerada dinâmica, igualmente o é a ascensão. Leitura imediatista, pobre e empobrecedora, deixa a impressão de se abandonar o “onde” no qual se está, para alcançar o “aonde” almejado. No caso de Jesus, ele deixaria a terra para voltar ao céu.
Acontece que, como na morte e ressurreição de Jesus, também na sua ascensão está a semente da nossa. Afinal, membros que somos de seu corpo, não podemos estar separados da Cabeça gloriosa que é Cristo ressuscitado (Rm 12,5). Ascensão, então, não é um simples ir daqui para ali, de um donde para um aonde, e sim, de um estágio de menor para o de maior perfeição.
Pela encarnação, Jesus revela a sua “descida” do céu para a terra onde se fez visível. Agora, na ascensão, celebramos a sua “subida” às alturas de onde “descera”. Contudo, não é de olvidarmos que ele é a cabeça e cada um de nós é membro de corpo tão santificado. Não teria sentido que a cabeça fosse glorificada sem a glorificação dos membros (Ef 1,22-23). Portanto, na glorificação do Senhor está a nossa.
Agora, cabe a cada um dos discípulos suprir a ausência física do Mestre, tornando-se, com sua assistência, anunciador da salvação (Mt 28,20). Nada de permanecer alienado, olhando esterilmente para o céu, mas dando o máximo de si mesmo para o crescimento do Reino (At 1,9-11).
Na glorificação de Jesus está a nossa.