Muita beleza, pouca sublimidade

Texto de P. Alcides Marques, CP

O teólogo judeu Abraham Heschel trabalha uma interessante distinção entre belo e sublime. A sublimidade diz respeito não só à beleza, mas também à bondade e à verdade. O sublime remete a uma experiência que não pode ser traduzida em palavras, exatamente pela sua grandiosidade. O belo, ao contrário, pode ser traduzido em palavras. Você pode dizer por que tal pessoa, lugar ou experiência é bela. Mas o sublime, não pode. É algo que ultrapassa as nossas palavras.

Nós católicos estamos acostumados com a dimensão estética da fé. É muito comum ouvirmos que tal igreja é muito bonita, que a reforma da igreja “x” foi um sucesso, que a igreja “y” está precisando ficar mais bonita, que a noiva quer casar em uma determinada igreja porque a acha muito bonita. Ou também que o padre “z” fica muito bonito com tal veste. E assim por diante. Isso sem contar com as visitas às cidades históricas pelas suas belas igrejas.

Talvez isto explique o fato de que os católicos gostam de serem pessoas bonitas, agradáveis, atraentes. As missas dominicais em muitas de nossas igrejas são quase um desfile dos últimos lançamentos da moda. Não temos como negar este aspecto e parece que nós herdamos isso da cultura católica da beleza. Muita gente do nosso meio critica tal preocupação. Em certos aspectos com razão, mas não completamente. O belo é uma dimensão da existência humana e a sensação de felicidade está ligada ao sentimento e experiência da beleza. Não tem como fugir disso.

Voltemos à questão do sublime. Heschel não pretende negar o valor da beleza, mas o que ele quer mesmo é fazer-nos refletir sobre uma experiência que ultrapassa a beleza. E aí é que entra o sublime. O sublime nos abre a uma grandiosidade e nos faz ultrapassar (ir além) os nossos pensamentos e as nossas capacidades de imaginação. O sublime nos conduz até Deus. Enquanto o belo pode ser descrito, o sublime não. Franco Zeffirelli disse numa de suas entrevistas que, através de seus filmes, pretendia levar as pessoas até Deus. Não me pergunte como o filme “Romeu e Julieta” pode levar até Deus, mas eu posso te garantir que leva, mesmo diante da tragédia que aborda. Isso é mais do que beleza, é sublimidade!

Vamos imaginar uma celebração de casamento na igreja. Não resta dúvida que a maioria tem muita beleza. A beleza dos enfeites, das músicas, das vestes dos convidados, dos noivos e noivas, da própria celebração. Mas, eu te garanto que são poucos os casamentos que levam ao sublime. Tem beleza, mas não tem sublimidade. Mesmo que se fale muito de Deus. Não tem sublimidade porque não há uma experiência de algo maior, grandioso; como o amor verdadeiro ou a presença de Deus. Uma coisa é se falar de Deus e do amor, outra coisa é a experiência da presença de Deus e do amor.

Por outro lado, pode acontecer de estarmos numa celebração bem mais simples, sem muito luxo e que traduz a sublimidade do momento. Sabe aquela celebração que ao sair você sente um forte desejo de amar mais as pessoas, perdoar, se aproximar mais de Deus? Então, foi uma celebração sublime. Numa celebração matrimonial sublime parece que os noivos, os padres, as músicas, os enfeites ficam invisíveis para dar lugar a Deus e ao Amor (com “a” maiúsculo).

A religiosidade autentica exige a sublimidade. E segundo Heschel, não apenas para ultrapassar a experiência da beleza, mas também da verdade e da bondade. Quando nós lemos um livro bem escrito, nós ultrapassamos as letras e até esquecemos o autor. Um belo poema, por exemplo, é capaz de nos elevar. O mesmo vale para os gestos de bondade e generosidade. Como é maravilhoso partilhar algo com alguém e sentir que esse alguém e, sobretudo, nós mesmos ficamos bem melhores com tal gesto. Tudo isso é sublimidade. E a sublimidade sempre leva até Deus. Venha de onde vier.