Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Mais de uma vez tive oportunidade de escrever, nesta página, sobre o Sangue de Cristo. O tema é amplo, profundo e palpitante. Mesmo na limitação de tempo e espaço volto a ele, pois hoje, ao celebrar a festa, participantes acharam especial a reflexão liturgia.
O dia 1º do mês de julho é dedicado a ele, assim como o mês todo de julho.
Antes de qualquer reflexão, imaginemos o carro parando inexplicável e inesperadamente. Constatando que o sistema elétrico e mecânico estão em ordem, a atenção se voltará para o tanque de combustível. Constata-se: está vazio. Então, o veículo, com tudo em ordem, sem o combustível, não sai do lugar. Portanto, ele é como se fosse a alma do veículo.
Agora, prossigamos em nossa reflexão: o ser humano, sem vários de seus membros, sobrevive. Contudo, por mais perfeito e saudável que esteja o corpo, sem a alma ele morre. É ela que o vivifica, que o anima; daqui a palavra “alma”, que vem de “anima”. Ela lhe é o seu princípio vital e unificador; é mais do que a gasolina no carro que só lhe dá condições de funcionar.
Para as Escrituras e para o pensamento judaico de então, é o sangue que vivifica os animais, quer os racionais, quer os irracionais. Por isso os judeus, crentes ou que guardam as tradições, não comem carne sufocada, a que contém sangue. Ao sacrificar os animais cujas carnes serão posteriormente consumidas, antes lhes cortam a veia jugular deixando que todo sangue se esvaia.
Agora, partamos do que é dito em 1Pd 1,18-19: não fomos remidos, resgatados ou libertados por ouro ou prata, mas pelo sangue de Cristo. Esta afirmação, porém, solicita ulteriores considerações.
É considerado redentor quem compra escravo para lhe dar a liberdade. Então, no conceito grego, redenção sempre implica dinheiro com envolvimento de alguém que vende, alguém que compra e alguém que é vendido. O redentor adquire tanto o escravo como o documento de posse. Este comprovante é destruído e, de imediato se exarado outro declarando que o então escravo é livre cidadão. Tal escrito recebe o nome de “carta de alforria”. Então, ainda na concepção grega, há documento de posse destruído e documento de libertação exarado e entregue ao ex-escravo. E não é de ser olvidado o dinheiro versado, o investimento pecuniário. Alguém comprou alguém, pagou e lhe deu a liberdade.
Depois se passou a considerar redentor quem, de uma ou de outra maneira, tudo fazia pela libertação de pessoas escravizadas. Por isso a Princesa Isabel, ao assinar a lei áurea, foi chamada de a Redentora; mas consta que, na realidade, ela era contra a escravidão.
Nos primeiros tempos, entre os primeiros estudiosos das Escrituras, levantou-se a questão: se o sangue de Cristo foi o preço da redenção, a quem foi versado? Ao Eterno Pai? Mas ele era pai e não escravocrata. Ao demônio? Esta tese era muito esdrúxula, inaceitável.
Os debates eram intensos. Até que alguém considerou: o texto bíblico foi escrito em grego, mas o escritor era judeu e, no Primeiro Testamento, redenção (goel), é a ação divina sem paga a quem quer que seja. Deus “libertou com mão forte e braço estendido” (Dt 5,15); não deu dinheiro a ninguém. Então, a redenção operada por Cristo não implicou paga. Mas ela foi onerosa, sangrenta e dolorosa. Para o Senhor que era homem como nós, por nós sofreu amorosamente. Em tudo isso é de se descobrir o amor infinito, redentor e santificador.
Dado que os judeus consideravam o sangue como a alma, o princípio vivificador, o mais íntimo do ser, ao se falar em redenção sangrenta, é dizer que foi obra de amor, que partiu do mais íntimo do coração ração. O Senhor nos redimiu misericordiosamente, a partir do mais profundo de seu coração. Formos remidos, gratuita e onerosamente pelo amor divino.
Com sabedoria é dito que amor com amor se paga. Por isso, com sabedoria, e mais ainda, com gratidão, devemos celebrar a festa do Preciosíssimo Sangue de Cristo, assim como dedicar o mês de julho à meditação desse mistério. E que essa meditação nos leve a descobrir o amor sem medida de Jesus e a ele corresponder.