Texto de P. Alcides Marques, CP
Não é segredo pra ninguém que a maioria da população vive no mundo urbano. A sociedade rural tende a se tornar cada vez menor. Quantos de nós estamos vivendo em cidades de mais de 1 milhão de habitantes? Ou talvez em cidades menores de 50.000, 100.000 ou 500.000 habitantes? Será que a mentalidade social das pessoas é a mesma, quer vivam em cidades de 5000 habitantes ou de 5 milhões? É claro que não. Com certeza, não. E a Igreja (católica)? Será que responde aos grandes desafios do mundo urbano? Será que evangeliza a pessoa urbana como ela realmente é?
Os estudiosos da sociedade humana apontam algumas características típicas da vida na cidade. O nosso objetivo imediato não é apresentar todas, mas aquelas que tocam em cheio a nossa pastoral. Vejamos. A cidade é o mundo da opção e da escolha. No meio rural tradicional, a coletividade exercia nas pessoas uma forte pressão social que as mesmas praticamente não tinham escolha. Os vizinhos geográficos eram também os grandes amigos. A missa dominical na matriz ou capelas representava o ponto alto de encontro e convivência social. As pessoas faziam negócios, por exemplo, nesse momento. Os jovens começavam seus namoros nas missas da noite e assim por diante.
Na cidade, isso tudo muda. As pessoas urbanas se recusam a fortes relações de vizinhança. Elas querem e escolhem os seus amigos e amigas. A pessoa pode morar num bairro e ter todos os amigos residindo em outros. A cidade é o mundo da escolha. Se você reside numa cidade, você se sente no direito de escolher quem serão as pessoas mais próximas e não serão necessariamente os seus vizinhos. A nossa igreja católica passa por uma crise muito forte simplesmente porque adota uma maneira rural de se organizar. Algumas de nossas igrejas teimam em criar grupos de vizinhança numa sociedade que é arredia a tais relacionamentos. Tente formar um grupo de reflexão bíblica com os moradores do seu prédio!
No mundo rural, a cidade é uma paróquia só e as pessoas não têm alternativa. Já no mundo urbano, a igreja está dividida em várias paróquias e o forte da ação pastoral vem destas paróquias. Mas acontece que a cidade é uma unidade e a paróquia quebra esta unidade. Você poderia se perguntar qual é efetivamente sua paróquia: aquela em que você reside? Mas, e aquela em que você trabalha? Outra coisa: você não se sente na obrigação de frequentar a paróquia onde reside, pois com carro particular, ônibus ou até a pé você pode se deslocar para outra mais do seu agrado. Em resumo: você quer ter o direito de escolher qual igreja frequentar. E não tem como ser diferente. É por isso que por ocasião dos casamentos, os noivos acham estranha essa história de transferência de uma igreja para outra.
Outra característica do mundo urbano é que os relacionamentos humanos são predominantemente funcionais. Nós podemos estabelecer dois tipos de relacionamentos humanos: os pessoais e os funcionais.
Pessoais são os relacionamentos estabelecidos com as pessoas mais próximas, afetivamente falando, como: casais, pais e filhos, amigos, colegas. Nestes relacionamentos, você conhece a pessoa e existe certa comunhão de vida entre vocês.
Já os relacionamentos funcionais são marcados pela função exercida pela pessoa. Assim sendo, quando você toma um táxi você não precisa conhecer detalhes da vida do taxista; basta que ele seja um bom motorista e que te leve exatamente onde você deseja. Tal relacionamento é funcional: para você ele é taxista e para ele você é passageiro (a). Observe que na missa dominical, a maioria dos fieis se comporta de tal forma. Não são todas as pessoas que estão dispostas a um relacionamento tipicamente pessoal dentro das nossas igrejas. Até mesmo as que procuram os padres para confissão, muitas vezes, estão preferindo o anonimato de um relacionamento funcional: eu sou pecador e ele o confessor.
Pode parecer para nós que isto seja um mal, mas não é. Isso é do mundo urbano. O problema está do nosso lado, pois estamos olhando as pessoas urbanas com um olhar rural. Não é interessante conversar mais sobre esta questão?