Gratidão, com paixão e esperança

GRATIDÃO, COM PAIXÃO E ESPERANÇA, 
À LUZ DA ESPIRITUALIDADE PASSIONISTA

Pe. Amilton Manoel da Silva, CP –  Superior Provincial – Província do Calvário

O papa Francisco, na sua carta convocatória para o ano da vida religiosa, convidou aos religiosos a: Olhar o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abraçar o futuro com esperança. Esse convite, carregado de significado, têm provocado, não só os religiosos, mas todos os cristãos. À luz da espiritualidade passionista, é possível alargar e aprofundar a reflexão.

GRATIDÃO: Olhar para trás e ter uma atitude de gratidão, nem sempre é fácil. Experiências dolorosas que marcaram nossa história, quase sempre vêm à tona, tomando o espaço do louvor e da ação de graças, por tantas outras experiências bonitas que vivenciamos. Como, então, chegar à gratidão na volta ao passado? Creio que a espiritualidade passionista poderá ajudar.

São Paulo da Cruz vendo tantos males no seu tempo (séc XVIII) chegou à conclusão que o esquecimento da Paixão de Jesus (a maior manifestação do amor do Pai por nós), era a causa desses males. Paulo propôs, então, a MEMÓRIA da Paixão como remédio para curar todos os males, ou seja, centrar a vida cristã no Mistério Pascal.

A memória é muito mais do que lembrança ou devoção à pessoa de Jesus. Com o povo judeu aprendemos que, fazer memória, é atualizar os acontecimentos do passado, o que nos leva a adentrar novamente o mistério, “e acolher o todo da salvação”, no hoje da nossa existência. O próprio Jesus pediu que repetíssemos o seu gesto na última ceia em memorial (Lc 22,19).

Voltar ao passado…: Na memória o menos importante são os fatos, o fundamental é a totalidade da história. Os fatos devem ser integrados, o que será sempre um grande desafio, porém isto nos levará mais facilmente ao perdão, à confiança nas pessoas, a apostar na vida, enfim, a um crescimento humano e espiritual.

Vale lembrar que a maioria das nossas emoções humanas estão estreitamente relacionadas com a nossa memória. O remorso é uma memória mordaz; a culpa, uma memória acusadora; a gratidão, uma memória prazerosa e todas essas emoções são profundamente influenciadas pela forma como integramos os fatos passados em nosso modo de ser no mundo.

A primeira e mais espontânea resposta para nossas recordações indesejáveis é esquecê-las. Esquecer é viver como se nada tivesse acontecido. “Quando recusamos enfrentar nossas recordações dolorosas, perdemos a oportunidade de arrependimento, quando Jesus diz: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes’ (Mt 2, 17). Assim, ele está afirmando que apenas aqueles que enfrentam sua condição de dor podem estar abertos à cura e entrar em um novo modo de vida” (Henri Nouwen).

A memória nos remete ao ponto inicial da nossa vida e da nossa fé: O primeiro amor: “Não fostes vós que me escolheste, mas fui eu que vos escolhi”. (Jo 15,16). “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou primeiro e enviou o seu Filho para o perdão de nossos pecados” (1Jo 4,10). Existo por causa da bondade divina, Deus é o destinatário primeiro do amor. Essa certeza nos sustenta, nos fortalece, nos orienta e nos ilumina em todas as situações.

Dessa forma, chegamos à GRATIDÃO, que é a compreensão de que temos recebido muito mais bênçãos do que possam ser os nossos problemas ou dificuldades. “Gratidão a Deus e a nossos pais – uma dívida impagável” (Leonardo Boff). Gratidão por quem passou pela nossa vida e nos ensinou o caminho da fé e nos ajudou a internalizar valores… Gratidão a quem hoje, me ensina a ser feliz e santo.

COM PAIXÃO: É viver o presente apaixonadamente. A palavra “Paixão” significa dor e sofrimento, mas também é amor intenso a ponto de ofuscar a razão. É um entusiasmo convincente, “um fogo que arde sem se ver, uma ferida que dói e não se sente” (Camões). Estar apaixonado é necessariamente estar repleto, invadido por um excesso de sentimento positivo.

Nós, cristãos, professamos a fé num Deus Crucificado, para não esquecermos o “amor louco” de Deus pela humanidade.  Cremos que o mistério Redentor não se encerra na morte de Cristo, na cruz, e sabemos qual a força que sustenta nossa esperança e nossa luta por um mundo mais justo, humano e solidário.

Jesus teve duas grandes paixões: O Pai. Ele chegou a afirmar que se alimentava da Vontade do Pai (Jo 4, 34); e o Reino. Projeto que exigia dedicação integral, que implicava anunciar a Boa Notícia no tempo e a contratempo por cima dos telhados. Projeto de inclusão, sobretudo dos mais pobres. Se algo se pode dizer de Jesus é que era um homem  apaixonado. A Paixão foi o motor de sua vida, o impulso de sua atuação e a inspiração de suas palavras. Quais têm sido as minhas paixões?

A vida com paixão leva à COMPAIXÃO, o que envolve atitudes; tem a ver com o deixar-se afetar pelo sofrimento do outro, “sofrer com”.  A compaixão nos coloca na mesma postura de igualdade com a pessoa que sofre. A pessoa compassiva olha o outro de igual para igual, o que resulta em solidariedade. O outro é a pessoa, a criação… que necessita de atenção, cuidado e entrega.

A compaixão leva-nos a espiritualidade da toalha: o serviço, que denotasaída de si mesmo e ida às periferias existenciais e sociais” (papa Francisco); fé e sensibilidade para “enxergar na fronte do pobre o nome de Jesus” (São Paulo da Cruz).

ESPERANÇA: A fé na Ressurreição dá razão à esperança cristã e nos propicia abraçar o futuro com otimismo. As primeiras comunidades cristãs tiraram da certeza da Ressurreição de Jesus, a força para enfrentar as perseguições e a morte. Sem a Ressurreição, a vida seria uma paixão inútil, um beco sem saída, uma fatalidade absurda. “É triste, vermos pessoas vivendo uma eterna quaresma, sem se darem o direito de passar para o domingo da Páscoa” (papa Francisco).

A Ressurreição faz da vida Missão, e Missão é muito mais do que executar tarefas, é um caso de amor, uma força que sai de dentro e se lança para fora. É dessa forma que os Evangelhos ligam a Ressurreição à Missão: Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor” (Jo 20,18). Os discípulos de Emaús contaram aos discípulos como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão (Lc 24, 35).

Paulo apóstolo lembra que pelo Batismo já morremos e ressuscitamos (Rm, 6,4), por isso não podemos viver voltados para a morte; somos homens e mulheres ressuscitados, centrados na verdadeira esperança.

A Ressurreição é o centro da espiritualidade e do carisma passionista. Para São Paulo da Cruz, no Calvário venceu o amor, o ressuscitado é o amor que sempre se renova, se dá e se intensifica em cada um de nós. No coração (sinal) passionista, a Ressurreição está expressa na cor branca: da cruz, das letras e no coração sobreposto ao preto.

Charles Péguy, nos ajuda a “compreender” a esperança cristã quando diz: “A fé vê aquilo que é. A esperança vê o que será. A caridade ama aquilo que é. A esperança ama o que será. A esperança vê o que será no tempo e na eternidade. Por assim dizer, o futuro da própria eternidade”. A esperança é a mola propulsora da vida. O papa Bento XVI, na encíclica “Salvos pela Esperança”, cita a oração e o sofrimento, como espaços por excelência do exercício da esperança.

Ser passionista é ser sinal de esperança, o que significa crer e apontar para todos: a vida na dor e a Páscoa na morte.

Agradeço de coração, a comunidade religiosa passionista e a Paróquia São Sebastião, de São Carlos – SP, pela acolhida, nesses dias em que estive em visita canônica (09 a 13/08/15). O testemunho de gratidão, com paixão e esperança, de cada batizado que encontrei, renovou a minha fé. Prossigam a caminhada com coragem, na alegria do Evangelho. Meu abraço e minhas orações. Deus abençoe a todos.