Texto de P. Mauro Odorissio, CP
O poeta cantor disse que “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu… faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há… mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá”.
Isto acontecendo, é como se vendaval passasse a tudo destruindo e sonhos aniquilando.
Mas “tem dias”, também, quando se tem a impressão de que a chuva benfazeja chove no roçado.
É o que me aconteceu hoje, pela manhã. Era o primeiro momento de oração comunitária. As leituras bíblicas, assim como a prece dos salmos foram impregnando o momento de prece, passando, ainda, a direcionar o dia oracional. E é neste espírito que partilho meu coração com os leitores
Prisioneiro pela causa do Senhor, o Apóstolo escreveu aos fiéis da Igreja em Filipos que, para ele, “o viver é Cristo e o morrer é lucro”. Ele, que jamais “brincou em trabalho”, tinha consciência de que ainda podia ser útil aos filipenses que tanto dependiam dele. Neste caso, desejava viver.
Contudo, estava voltado para o Senhor e, assim sendo, os seus anseios era viver Cristo. Morrer, portanto, lhe era lucro: atingiria a razão de ser de sua existência (Fl 1,21). E prossegue: “sinto-me atraído para os dois lados: tenho o desejo de partir, para estar com Cristo – o que para mim seria de longe o melhor – mas para vós é mais necessário que eu continue minha vida neste mundo” (Fl 1,22).
Se isso não fora suficiente para abastecer minha oração jornaleira e a jornada de oração, o Salmista enamorado e saudoso de Deus me fez evocar minha condição de ainda peregrino: “Assim como a corça suspira pelas águas correntes, suspira igualmente minh´alma para vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face de Deus” (Sl 42[42],2-3)?
Na conversa com o Pe. Alcides, ainda pela manhã, ocorreu a oportunidade de trazer o sentimento que então me invadia e me invade, ainda.
Mais: marcado pela leitura de coisas materiais atingíveis pelas mãos, por realidades mais sensivelmente palatáveis e ao alcance destes olhos de limitados vislumbres, e sem falar do imediatista e tentador “mais vale um ovo na mão do que duas galinhas voando”, desejaria perenizar minha vida terrena. Contudo, cada vez mais ela me é fugaz, limitada, limitante e até cansativa, quando não, humilhante. E é isto que mais me fere, embora encare naturalmente: o potencial cognitivo se esvai.
Mais do que nunca, então, vem o desejo de voos mais altaneiros, o que está longe de ser desejo puramente onírico. Na verdade, somo mais cidadãos celúreos do que terráqueos, a saber, mais do céu do que da terra. Isto me faz recordar Plotino ao afirmar que o ser humano tem saudades de Deus, ou a tão cara Raissa Maritain: “o ser humano tem fome do transcendental”.
Assim, me vejo no ambiente de imensa expansão. Em possível grande explosão (Big Bang) descubro pressuposto criado explosível e “Explodidor” incriado, eterno e harmonizador. Neste ambiente em expansão eu me vejo sujeito a efeitos, mas também agente destacado com tanto irmãos e irmãs. Por mais que me seja caro, ele não é minha e nossa moradia permanente (Hb 13,14). Logicamente, é de vislumbramos e ansiarmos por outra definitiva: a eternidade.
Sem abandonar meus compromissos diários, estou em clima reflexivo e oracional, esperando o momento mais exclusivo e dedicado à oração pessoal. Neste estado, poderia me sentir “como quem partiu ou morreu”, mas, não; eu me descubro cultivando ainda “a mais linda roseira que há”, sabendo que não chega “a roda-viva e carrega a roseira pra lá”. Valores perenes, cultivados com a graça de Deus, não serão levados de roldão. Continuam sendo amanhados e irrigados pela a chuva benfazeja e que fecundam corações, como me referi acima.
Neste estado partilho um pouquinho com os pacientes leitores o que estou vivendo, neste dia. Assim nos sentiremos irmanados e, como concidadãos do infinito. Ainda evocando o supracitado Salmista, nos vejamos peregrinando rumo à pátria definitiva.
O Pai nos aguarda na moradia eterna para o amplexo sem fim.