Nascer morrendo e morrer ressuscitando

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

O título que encima este artigo me veio como que por geração espontânea. Assumo-o, de imediato, para que, liberado, possa dar prosseguimento à reflexão que pede urgência.

Hoje, no primeiro encontro de oração comunitária, me senti impregnado por aluvião de textos dos quais a flux emergiam conceitos aparentemente excludentes, mas estreitamente vinculados entre si: “morte” e “vida” (ou ressurreição). Algumas amostragens: “A vida dos justos está nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos pareciam ter morrido…” (Sb 3,1-2). São Clemente, como que solicitado, comentou: “Consideremos, diletos, de que modo o Senhor continuamente nos mostra a futura ressurreição, que tem por primícias o Senhor Jesus Cristo, a quem ressuscitou dos mortos. Pensemos na ressurreição que se dará em seu tempo”. Não concordo em tudo com o Santo.

Na salmodia, entre outras passagens foi rezado: “Eu dizia: É necessário que eu me vá no apogeu de minha vida e de meus dias; para a mansão triste dos mortos descerei, sem viver o que me resta dos meus anos” (Is 38,10).

“Ao entramos pelas portas sangrentas da vida…” (como mais ou menos escreveu Papini), pareceu-me que ela me seria inexorável crescimento. Mas fui compreendendo que, concomitantemente eu já ia morrendo. Constante depauperamento me solicitava a repor energia por meio da alimentação. Isso, porém, apenas postergava meu encontro com o pantagruélico deus “Kronos” que me devorava inexoravelmente. Eu imaginava estar somando dias em minha caminhada terrena; mas eles me estava sendo subtraídos. O dia de hoje é um a mais ou a menos, na minha, na nossa existência?

Mas, nesta luta que parece inglória, consigo vislumbrar, e até mais do que isto, a ter ao alcance das mãos a almejada vitória. Sei estar escrevendo a irmãos e irmãs impregnados pela mesma visão: a da fé.

Ponto de partida: a vida humana seria intolerável absurdo se nos levasse ao inexorável “nada”. Afinal, ele não passa de ridículo ente racional e indigno de tal “existência”. Como negação ele não pode ser “entitativizado”. Ele se destrói a si mesmo. É o máximo da desdita alguém se projetar assim,assumindo asfixiante razão de ser. Então, se de um lado “Kronos” parece nos vencer, do outro “Kairós” nos propicia vitória. Apenas recordando: o primeiro é o deus tempo que nos devora, e o outro, é o deus tempo que nos abre para a plenitude da vida.

Por mais ricas que sejam essas imagens mitológicas, mais do que vislumbrar, a nós nos é dado, pela morte e ressurreição de Cristo descortinar horizontes infinitos, sermos detentores dos mananciais da vida, o que nos leva a clamar: “ó morte, onde está a tua vitória”? .

Inconformado pelo limitado espaço disponível para desenvolver tema tão palpitante, confesso acatar a chamada “ressurreição escatológica” (a que aconteceria no final do mundo), mas como modo de reconhecer a vitória final de Deus sobre tudo, a vitória da vida sobre a morte. Não concebo minha alma só, sem corpo, esperando tal momento distante. Se assim fosse, eu não seria eu, pois sou tal na medida em que ambos estejam em comunhão. Minha alma sem corpo perde sua razão de ser.  Jamais existirá ser composto sem a coexistência dos componentes. É de se exigir: de imediato, ao morrer, é dada à alma o chamado corpo glorificado.

Aos que creem é dado vislumbrar a “ressurreição incoativa”.  Diferentemente da “escatológica” que nos faz olhar para futuro distante e indeterminado, a “incoativa” já se faz dinamicamente presente. Trata-se da semente da vida eterna vicejante em nós e que deve ser incrementada, alimentada, trabalhada. Textos bíblicos no-la apresentam como realidade palpitante em nossos peitos: “Se já ressuscitastes com Cristo (observar o pretérito perfeito), procurai… cuidai das coisas do alto, não do que é da terra” (Col 3,1-3). Cidadãos deste mundo, já estamos nos apossando da pátria definitiva.

Meu espaço se esgotou. Tendo presente o próximo dia de Finados, espero que a oração que rezei comunitariamente, alimente a minha que farei pessoalmente, mas em comunhão com todos.