Texto de P`. Mauro Odorissio, CP
A sentença que encabeça o artigo é bastante conhecida, mas não tanto a sua fonte (Eclesiastes ou Qohélet 1,9), e menos ainda o espírito que animava o autor ao escrever. Tudo o retrata experiente investigador. Contudo, a visão global do empreendimento o leva à frustração. Não grita, por estar carente de energia; então elabora o lacônico, mas altissonante epitáfio: “vaidade das vaidades… tudo é vaidade” (Ecl 1,1). Consderando-se descobridor da pólvora, constata que ela já detonara muitos monumentos.
Escrevo este artigo após solicitação para aclarar determinadas passagens bíblicas.
Antes, um questionamento: quem não acalentou ideias tidas como novas, originais, e constatou que elas traziam o caruncho de antanho? Então clamamos: “nada de novo sob o sol” (Ecl 1,10).
Existem sinetes que rotulam pessoas e posturas: “da direita”, “da esquerda”, “conservadora” ou “progressista”, “burguesa” ou “proletária”… Parece serem coisas de hoje, mas se constata serem de há muito. A quem me procurou, me servi desse fato para ilustrar Cristo e seu ambiente. E prometi escrever o que escrevo.
Vamos ao “contexto vital” vivido por Jesus. Os judeus estavam sob o domínio de Roma. O desejo de independência lhes aflorava pelos poros. Então, diversas correntes judaicas se digladiavam e precisam ser conhecidas para que melhor conheçamos a postura do Senhor.
Como o povo, os discípulos esperavam o “messias” (mashiah), o “cristo” (kristós). Estas palavras, hebraica e grega, respectivamente, significam a mesma coisa: ungido. Referem-se ao príncipe herdeiro que, na coroação era ungido com bálsamos e se tornava rei. Caberia a ele libertar o povo da opressão, dominar outros povos, tornando-se rico e poderoso (Sl 2,6-9). Como é vantajoso viver à sombra do trono, os discípulos brigavam para ver quem seria o maior (Mc 9,33-34). A mãe dos filhos de Zebedeu os queria ladeando o trono de Jesus (Mt 20,20-21). Era o mais desbragado pistolão.
Pequeno, mas ativo, era o grupo dos zelotas. Para eles, a libertação e o Reino de Deus só viriam pela força, pela guerrilha. Manuseavam habilmente punhais ocultos nas dobras do manto, contra os romanos e colaboradores. Simão era zelota (Lc 6,15). Em vista do seu Reino, o Mestre condenou a violência (Mt 26,51-52). A libertação é obra do amor.
Os essênios (qumranitas) pregavam que o Reino de Deus seria instalado por legiões angélicas. Lutaria com eles só quem estivesse em estado de pureza legal. Em pleno deserto, tinham tanques de purificação; neles se banhavam várias vezes ao dia e, purificados, poderiam lutar com os anjos na grande libertação. Mas Jesus não via as coisas assim (Mt 26,53). A libertação é obra do amor.
Havia um partido pequeno, poderoso, da elite, do alto clero e dos grandes proprietários; controlava o templo e a edilícia em Jerusalém. Eram os saduceus. Para eles, o Reino de Deus se instalaria quando as celebrações, no templo, atingissem a perfeição. Jesus os condenou, dizendo que Deus quer misericórdia e não sacrifícios (Mt 12,5-7). Por “sacrifício” se entende as centenas de animais imolados, sacrificados e oferendados, diariamente, no templo. A libertação é obra do amor.
Para os fariseus, o Reino de Deus se concretizaria no acatamento minucioso das leis. Populares, chegavam a absurdos: não colher uma espiga de trigo no sábado (Lc 6,1-7). Observavam-nas, mas não as cumpriam; eram sepulcros belos por fora, mas podridão no seu interior (Mt 23,27). Jesus não tolerava a exterioridade. A vida religiosa começa no interior do coração. A libertação é obra do amor.
O Reino de Deus, instaurado por Cristo, é obra de amor, de serviço e se revela pela sua Morte e Ressurreição. No Calvário, mais do que o sofrimento do Senhor se evidencia o amor sem medida (paixão), que leva à decisão “tresloucada”, quer do Pai (Rm 5,6-10), quer do Filho (Jo 13,1).
Desde nosso primeiro momento de vida, começamos a morrer pelo natural depauperamento das energias, mas há alguma ressurreição pela alimentação. Assim na vida espiritual: o homem velho vai morrendo e cedendo lugar ao surgimento do novo. Portanto, há lago de novo sob o sol: o amplexo harmonioso entre morte e ressurreição de e em Cristo.