Texto de P. Alcides Marques, CP
O livro “A cabana” de William P. Young trouxe uma visão extremamente interessante da Santíssima Trindade (Papai, Jesus e Sarayu), mas progrediu pouco no que diz respeito ao seu objetivo principal: refletir sobre o sofrimento humano. Pouco porque, embora tenha proporcionado um avanço no que diz respeito às concepções mais tradicionais, não chegou a uma contundência maior. E não chegou porque provavelmente não tinha como chegar. Assim sendo, precisamos percorrer um caminho espinhoso, mas não temos alternativa. A menos que queiramos viver eternamente neste curto-circuito entre a experiência do sofrimento e nossa capacidade e possibilidade de refletir sobre o mesmo.
No diálogo dramático entre Papai (uma mulher negra) e Mackenzie, Papai afirma que “há milhões de motivos para permitir a dor, a mágoa e o sofrimento…”. Onde estaria, então, o avanço de Young? Antes de tudo, precisamos admitir que a ideia da permissão do sofrimento é a que mais predomina entre nós, pois seria um absurdo afirmar que Deus quer o sofrimento. A não ser que pensemos em um Deus que castiga. Mas, mesmo assim, como ficaria o sofrimento dos inocentes? Então, se Deus não quer o sofrimento, a solução mais adequada seria admitir que Ele permite o sofrimento. Simples.
Partindo do princípio de que Deus permite o sofrimento, vem a pergunta sobre o porquê ou para que desta permissão. O comum, sobretudo quando o sofrimento não nos atinge diretamente, é afirmar que a resposta a tal pergunta não existe ou, talvez melhor, que esteja envolvida no mistério de Deus ou que faça parte de um desígnio divino que não temos e nem teremos condições de saber. O nosso conselho (consolo?) é que a pessoa enfrente o sofrimento com fé. Interessante, mas quando o sofrimento nos atinge diretamente ficamos arrasados com esse tipo de solução. Parece que nada se encaixa.
O livro apresenta um avanço desta concepção rasteira. Deus permite sim o sofrimento, mas através dele busca atingir um propósito. Papai diz: “Mas suas escolhas também não são mais fortes do que os meus propósitos, e eu usarei cada escolha que vocês fizerem para o bem final e para o resultado mais amoroso”. Em concreto, Papai quer dizer que respeita as nossas escolhas – inclusive do assassino de Missy -, mas que vai buscar através delas um caminho para que prevaleça o bem e o amor. É como se dissesse que “Deus escreve certo por linhas tortas”.
Toda lógica do livro é ajudar Mack a sair de seu horizonte estreito de compreensão da vida e deixar-se conduzir pelos propósitos divinos que emergem da sua terrível experiência de vida. É aqui que está o avanço, pois uma coisa é ter que encarar o sofrimento como um mistério misterioso; outra coisa é saber que há um propósito divino. Deus não permite por permitir, mas permite porque pode sempre encaminhar as coisas para um objetivo amoroso. Um exemplo bastante acessível é o que vem da onda de solidariedade que surge diante das tragédias de vida. Quantas pessoas aprendem o que é solidariedade exatamente nestes momentos difíceis?
Mas William Young poderia dar um salto maior. Esta ideia do propósito divino é benéfica para quem é atingido diretamente pelo sofrimento, mas não para a vítima do sofrimento. Ou seja, vale para Mackenzie, mas não para Missy. Pois uma pergunta ainda permanece: por que um Deus bondoso permite o sofrimento. A pergunta não é sobre o para que (a finalidade), mas o porquê (a razão) do sofrimento. Precisamos então caminhar um pouquinho mais…