O Natal histórico e o teológico

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Há diferença entre o Natal histórico e o teológico?

Sim! O primeiro aconteceu em circunstâncias irrepetíveis. Mais precisamente: deu-se num lugar fixo, abarcou distintas circunstâncias temporais e envolveu determinadas pessoas. Como tal, de há muito se encerrou no tempo e no espaço; trata-se de dado histórico único.

Possivelmente assustando não poucos afirmamos com absoluta certeza: o Natal histórico não se deu no dia 25 de dezembro. A data foi inteligentemente escolhida. Na ocasião – solstício do inverno – os romanos celebravam o deus menino sol ou a vitória da luz sobre as trevas. Então, os cristãos não titubearam; para mostrar ser Cristo a verdadeira luz do mundo (Jo 8,12), substituíram a festa com a do Natal e cristianizaram a comemoração pagã. As primeiras notícias a respeito são do ano 354.

O fato de os pastores estarem acampados distantes de Belém (Lc 2,8-20), é sinal que, na ocasião do nascimento de Jesus, era época da seca na Palestina. Sem pasto verdejante perto de casa, os pastores adentraram os rebanhos pelo deserto onde ao menos havia capim seco. Daqui estarem eles e as ovelhas longe de casa. O fenômeno acontecia entre julho-novembro. Essa é a data do nascimento de Jesus.

O monge Dionísio, com parcos documentos então disponíveis, calculou e estatuiu o ano um como o do nascimento de Jesus. Mas hoje sabemos que Herodes, o perseguidor de Jesus, morreu uns 4 ou 5 antes da data escolhida. Então, Jesus deve ter nascido pelos anos seis ou sete “antes da era cristã”.

Pelo fato do Senhor ser chamado “Nazareno” (Jo 19,19) e de ter vivido em Nazaré, alguns estudiosos aventam a hipótese de que ele era de lá. Todavia, além dos textos evangélicos, a arqueologia corrobora que Jesus nasceu em Belém.

Estes dados são interessantes para que melhor conheçamos a historicidade do Natal. Mas, o que dizer do seu aspecto teológico? A interrogação pede reflexões preliminares.

Teogonia é o estudo da “origem” dos diversos deuses. Nela se considera como “surgiram” as divindades pagãs,  ou como determinados “pais da pátria” foram “deificados” pelo povo. Partindo daqui, virou moda em sofisticados “salões intelectualizados”, e entre abundantes goles de champanhe, afirmar que Jesus fora “deificado” pela massa ignara e crédula.

Porém, alheia a tudo isso, a reflexão serena e séria aprofundava suas reflexões. Diversamente do que estatuía a teogonia a respeito das divindades pagãs, evidenciava-se o caminho diverso percorrido por Cristo. Sendo Deus, despira-se da divindade, aniquilara-se e  se fizera maldito pela morte na cruz (Fl 2,6-8; Dt 21,22-23) tudo em prol da humanidade. Tudo para que todos se tornassem filhos e não simples criaturas de Deus (1Jo 3,2). Pelo Natal não aconteceu deificação e sim a humanização humilhante do Senhor. Foi algo bem diferente dos cânones propostos pela teogonia.

Então, se o Natal como realidade histórica está encerrado no tempo e no espaço, o Natal teológico ou místico, o Natal verdadeiramente religioso está aberto ao infinito. Por isso, clamamos sempre e cada vez mais: “Vem Senhor Jesus” (“maran atá” = o Senhor veio ou, preferencialmente, “marana ta” = vem Senhor), conforme 1Cor 16,22.

E que o Senhor ao vir cada vez mais, não encontre corações fechados pelo “não haver lugar para ele”, como aconteceu em Belém (Lc 2,7). Que nada e ninguém, a começar pelo ridículo Papai Noel, tome o lugar que deve ser do Senhor. Ao contrário, que em visão ampla e profunda, além do Natal histórico, estejamos abertos ao Natal teológico ou místico: que o Senhor encontre abrigo em nossos corações, no seio de nossas famílias, no ambiente de trabalho, de diversão e em nossa vida social e comunitária.

Neste espírito, desejo a todos Santo e Feliz Natal. Que sua celebração faça com que o mistério natalino seja mais bem conhecido, vivido e irradiado.

 PS – Depois de ter publicado “Rezar PARA NÃO REZAR” prometi escrever outro artigo complementando aquele. A iminência do Natal me fez adiar o projeto. Agradeço a todos pela paciência.