Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Tenho plena consciência de estar em dívida com os caros leitores e leitoras. Há semanas escrevi um artigozinho intitulado: “Rezar PARA NÃO REZAR”. Mas o Natal se aproximava e precisei tecer alguma consideração sobre tão sublime mistério. Escrevi, então “O Natal histórico e o teológico”. Retorno, agora, ao tema sobre a oração e espero, na medida do espaço, completá-lo.
Considerei que as orações “vocal” e “mental” podem ser subterfúgio para não rezarmos de verdade. Segundo os grandes místicos, a prece começa a ser perfeita com a “contemplação”. As anteriores, por reduzirem Deus ao silêncio, podem camuflar a verdadeira oração. Não dando espaço ao Senhor que quer falar, jamais oramos. Então, é vital, como diz o título acima, “Rezar PARA REZAR”.
A “contemplação”, primeiro degrau na caminhada oracional ascendente, faz com que o orante se comporte como os enamorados; eles sabem o que dirão e manifestarão mutuamente. Antes, então, trocam revelações e sentimentos que vão acalentando os corações; são mensagens, bilhetinhos que, mesmo simples e singelos, são significativos e eloquentes para ambos. Mais próximos do encontro, coisas outras vão sendo desligadas, pessoas caras entram em “pausa”, em “quarentena”. O foco vai ficando cada vez mais “ele” ou “ela”. Palavras e posturas são detalhadamente ensaiadas. Até que chega a hora…
Assim, a contemplação; ela exige “preparação remota”: o orante deve conhecer exercícios que facilitem a introspecção, o autocontrole, o autodomínio. Por meio deles, antes do momento forte de orar, ele vai se “desligando” de preocupações. Concretamente: vai colocando, sob controle, a fantasia sempre distrativa; a memória esvoaçante que não nos deixa fazer o que queremos; a inteligência inoportuna que não respeita a reflexão do coração. E na oração há tanta coisa importante a ser abordada!
Conforme vai se aproximando o momento oracional, a preparação se torna mais pormenorizada; é a chamada “preparação próxima”. Leva-se em consideração até o perfume eleito e significativo.
Assim, o momento forte da oração (anteriormente alimentado leituras espirituais) deve ser precedido com jaculatórias piedosas. Quando eu era seminarista menor, o formador dizia que elas eram o “cavaco de Deus”. A comparação era no tempo do fogão à lenha. As achas ou cascas de madeira não cozinhavam o feijão, mas eram vitais para que a lenha “pegasse fogo”.
O momento forte da oração pede “aquele cantinho, tranquilo, sossegado, longe de tudo e de todos”. A postura corporal deve ser cômoda. Deve ser precedido sussurros breves, amorosos, como repetir pausada e espaçadamente o nome de Jesus. Ir sentindo a presença de Deus, ver-se envolvido por ele que, por sinal, está acomodado em nossos corações (1Cor 3,16). É a vez dos corações dialogarem.
Ter em mãos o texto bíblico a ser rezado, mas anteriormente conhecido. Inquiri-lo o que está a dizer no momento. Jamais ter pressa. Saber que ele é detentor de tanta riqueza!
No passo subsequente, descobrir o que ele lhe diz, não em geral, mas especificamente ao leitor e naquele específico momento. Trata-se, portando, de recomendações feita a quem o ora, no momento.
Mas ele é, também, porta voz de Deus que agora fala ao leitor; trata-se de diálogo entre dois corações apaixonados: o divino e o humano. Nada e ninguém podem perturbá-los. O orante, vendo-se distinguido por Deus, embevecido acolherá as manifestações amorosas do céu e se desdobrará em agradecimentos, louvores e adoração: “Meu Amado, como és belo, como és encantador! O verde gramado nos sirva de leito” (Ct 1,16). “O meu Amado é todo meu e eu sou dele” (Ct 2,16).
Depois disto tudo, o orante tem coisas novas, profundas e distintas a dizer de seu Amado aos outros, ao mundo. Quando a mensagem não é verbal, será pelo testemunho ou pelo serviço aos irmãos, de modo especial aos mais necessitados. É o último passo no caminho da oração: o verdadeiro orante se torna místico e da mística emerge o apóstolo.
A “oração” que para nela mesma, que não leva a Deus e aos irmãos é “rezar PARA NÃO REZAR”.
Que a singeleza destas colocações não empobreça a riqueza do método oracional.
“Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1)