Texto de P. Alcides Marques, CP
O livro “A cabana” teve (tem) como objetivo apresentar uma luz para o terrível problema do sofrimento. Entendemos que de fato trouxe uma luz, mas uma luz ainda muito obscura, insuficiente. A tese central do autor é que Deus permite o sofrimento porque através do mesmo – com a Sua graça – sempre vai buscar atingir algum propósito bom. A nossa dificuldade de acolher tal sugestão vem do sentido do verbo permitir. Quando dizemos que Deus permite, estamos subentendendo que Deus poderia evitar.
Continuando o raciocínio, se afirmamos que Deus pode evitar o sofrimento, mas permite – ou seja, não evita -, estamos sugerindo que Ele não é bom. Como é que Deus Pai (maternal), podendo evitar, não evita o sofrimento de seus filhos? Assim sendo, ao falar que Deus permite o sofrimento, nós estamos mais confundindo do que esclarecendo. Talvez fosse melhor dizer que a questão do sofrimento está envolvida em um mistério que não temos condições de desvendar. Mas a nossa razão não gosta deste tipo de alternativa. Precisamos de algum entendimento da realidade do sofrimento.
Duas alternativas para Deus diante do sofrimento: pode (evitar) e não quer ou quer e não pode. Se pode e não quer, então não é bom. Se quer e não pode, então não é poderoso. Temos que fazer uma escolha: ou Deus não é bondoso ou não é poderoso. Andrés Torres Queiruga, um dos maiores teólogos católicos da atualidade, diz que a nossa tentação é a de sacrificar a bondade para afirmar o poder de Deus. Esta é a linha de raciocínio adotada pelo autor de “A cabana”. Mas será que é a melhor?
Torres Queiruga prefere manter a bondade de Deus, pois tal opção é a que mais se aproxima do Deus revelado por Jesus Cristo. Deus não permite o sofrimento e não permite porque não pode. Como assim? Deus não é todo poderoso? Claro que é todo poderoso, mas ao criar o mundo e os seres humanos, Deus renuncia ao seu poder.
O filósofo judeu Hans Jonas afirma que ao criar o mundo, Deus abdicou da sua onipotência, entregando-se ao devir e ao livre arranjo das leis da natureza e da liberdade humana. O ser de Deus permanece onipotente, mas essa onipotência está em suspenso em razão da Criação. O poder de Deus se manifesta na ausência de poder ou, em outras palavras, o único poder de Deus é o poder de amar.
Deus dotou a natureza de leis próprias e esta mesma natureza percorre o seu caminho segundo estas leis. Exemplos são muitos: raios, terremotos (deslocamento das placas tectônicas), ataques de animais e assim por diante. A nós seres humanos, Deus confiou a responsabilidade de dar sentido à natureza e de construirmos com Ele um mundo cada vez melhor. Deus respeita a liberdade humana (que pode decidir pelo mal) e respeita os processos da natureza. Assim sendo, Deus não pode manipular os acontecimentos para que não haja sofrimento, pois neste caso Ele estaria em contradição com o seu próprio desígnio.
Repugnante seria admitir que Deus interviesse para beneficiar certas pessoas e não outras, simplesmente porque estas pessoas pedem e as outras não. O nosso Deus nos deu instrumentos para enfrentarmos todas as formas de sofrimento e quando estamos unidos a Ele, temos mais condições de colocar em prática estes instrumentos. Não é que Deus está ausente da história humana e da criação toda, mas a sua maneira de atuar não é como um mágico e sim como um parceiro.
Finalmente com “a Cabana”. Deus não poderia evitar o sofrimento e morte de filha de Mack. Deus não permitiu tal sofrimento. Deus sofreu com o sofrimento dela e de todos os que foram afetados. Foi assim que aconteceu com Jesus Cristo na cruz. Mas assim como Deus Pai ressuscitou Jesus, o poder do seu amor vai ressuscitar Missy e vai estar sempre disponível para Mack. Mesmo com todos os limites e sofrimentos, Deus sabe que o seu projeto de criação vale a pena. Um dia o amor vai vencer. Deus é amor (1Jo 4,8).