Texto de P. Alcides Marques, CP
Quando dissemos que Deus, ao criar o mundo, abdicou de sua plena onipotência em favor da criação, poderíamos levar as pessoas ao equivoco de considerar que Deus não age e não interfere na obra da criação. O testemunho da Sagrada Escritura – tanto o antigo testamento quanto o novo – vai de encontro a tal suposição. O que dissemos é que Deus não age na história humana à semelhança de um diretor de filme ou de novela que manipula as pessoas e acontecimentos a seu bel prazer. O Deus da Bíblia é nosso parceiro, um Deus que caminha conosco, que faz história.
O nosso problema é que estamos tão acostumados a considerar Deus manipulando os acontecimentos, que não conseguimos imaginar Deus agindo de outra forma. A ideia de que Deus é todo poderoso – senão não seria Deus (?) – influencia tanto a nossa maneira de entendê-lo, que acabamos nos relacionando com Ele sempre desta forma. Às vezes, os artistas de novela são entrevistados e acabam revelando como gostariam que o diretor encaminhasse os seus personagens. No que tange a Deus, parece que sempre nos comportamos deste jeito.
Não imaginamos quanto sofrimento tal concepção de Deus gera nas pessoas – cristãos particularmente -, que se veem diante de um sofrimento absurdo de alguém muito próximo. Pensemos apenas na dor de pais que perdem seus filhos ainda jovens, muitas vezes, vítimas de acidentes ou da maldade humana. Como é que vamos explicar para estas pessoas que Deus não quis manipular os acontecimentos para preservá-los? Ou, o que é pior, que Deus preservou o filho de outra pessoa e o dele não? Cruel, não? Imagino, portanto, que precisamos olhar mais para a realidade da vida e ver que nossa ideia convencional de Deus não bate com tal realidade. O que tem que mudar? A realidade ou a ideia de Deus? Seguramente é a ideia de Deus, pois se cremos que Deus criou a realidade, devemos crer que esta realidade segue uma lógica divina.
Voltando ao início. O Deus que não manipula os acontecimentos e pessoas é um Deus que age sim. Aliás, a expressão “reino de Deus” – utilizada por Jesus de Nazaré – quer significar ação de Deus. Reino não é um lugar, mas uma ação. O teólogo Jon Sobrino diz que deveríamos falar em reinado de Deus (ideia dinâmica) no lugar de reino de Deus. A questão, portanto, está em perguntar de que forma Deus age. Como Deus age sem interferir na liberdade humana ou nas leis da natureza? Essa é a questão que precisamos entender.
Se você tem um grande amigo (ou amiga), vai entender o que significa influenciar a liberdade sem manipular. Nos momentos em que você precisar, o seu amigo vai estar ao seu lado, vai te orientar, incentivar e fortalecer o seus bons propósitos. Ele não vai te obrigar a nada, não vai te forçar a agir de uma determinada maneira, mas vai te influenciar, sem dúvida, para que as coisas se encaminhem da melhor maneira possível. É assim que Deus age. É por isso que é importante ter Deus sempre ao teu lado. Haja o que houver, aconteça o que acontecer.
Outra coisa importante a se considerar é que Deus dotou a natureza de uma série de recursos para serem utilizados a nosso favor. Inclusive de recursos que a lógica convencional ainda não entende. Quando fez uma cura, Ele disse a uma mulher: “a tua fé te salvou” (Lc 8,48). Ele não disse que foi Ele, mas que foi a fé dela que conseguiu operar maravilhas. Quando acreditamos profundamente em algo, já estamos no caminho de sua realização. Não como mágica, mas como um poderoso auxílio.
A fé vai nos ajudar a viver melhor, não porque Deus vai manipular os acontecimentos a nosso favor, mas porque vamos dispor de mais recursos para encaminhar as nossas vidas da melhor maneira possível. E sempre com Deus ao nosso lado.