Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Estamos celebrando o Mistério Pascal que é a concretização da páscoa judaica. Saindo da escravidão do Egito, os judeus celebraram a páscoa e se colocaram a caminho da Terra Prometida. Ao celebrá-la, anualmente, no decurso da história, eles iam concretizando a liberdade conquistada então. Porém, jamais se afirmará sobejamente que a celebração judaica é imagem da definitiva selada com todos os povos, por meio de Cristo: é ele a nossa páscoa, o nosso Cordeiro imolado (1Cor 5,7).
Mas, para cristãos, no mínimo ingênuos, a festa pascal virou o ridículo coelho que bota ovos de chocolate e a natalina não é mais o nascimento do Menino Jesus, mas a do caricato papai noel (o computador, também “paganizado”, quer que eu escreva papai noel com maiúscula) que, em pleno verão, vem a nós vestido como se estivesse no Polo Norte e entrando pelas inexistentes chaminés. Planejadamente as celebrações cristãs foram sendo paganizadas.
Sem intenção de confundir, mas para aprofundar o conhecimento sobre a celebração pascal, trago a hipótese que antes de sua origem, ela era duas festas distintas: uma, a de agricultores e outra, a de pastores. Ambos os grupos pediam proteção e fecundidade, quer para a lavoura, quer para os rebanhos. Nelas se constatam a presença de elementos que caracterizam cada um dos dois grupos: o pão ázimo e o cordeiro pascal, respectivamente.
No início, eles viviam às turras, pois os rebanhos invadiam ou eram levados a invadir a roça dos agricultores. Com o tempo descobriram que os seus verdadeiros adversários eram os moradores da cidade (murada) que lhes prometiam proteção, mas que exigiam dízimos. A partir daí, uniram-se.
Para os judeus, quando deixaram a escravidão do Egito, a páscoa foi dada como “memorial”. É de se enfatizar que antes de tudo, o Senhor os libertou, pois quem é escravo carece de condições para assumir qualquer responsabilidade. Uma vez libertos, ele lhes propôs amorosa aliança ou “casamento”. Era-lhes dado aceitar ou não a tão sublime proposta. Ante a anuência, o povo se tornou povo santo, povo sacerdotal. Entre Deus e os judeus surgiu relacionamento de esposo e esposa. Daqui o nome de aliança (Ex 19,1-6). Este complexo salvífico, instituído por Deus Libertador, foi transformado em Memorial e deveria ser celebrado, anualmente. Com isso, a Páscoa deixava de ser apenas um fato, mas um processo libertador, a saber, Javé se comprometia de assumir a libertação dos judeus oprimidos, no decurso da história (Ex 12,14). “Fazer Memória”, então, passou a ser algo fundamental na vida do povo.
Fazer memória ou recordar, em nossa cultura, é deixar-se levar a algo passado e que nos proporciona prazer, saudades, alegria ou aborrecimento. Todavia, nada de novo acontece. Isto se faz presente também no modo de pensar dos judeus. Contudo, o “Fazer Memória” no sentido profundo para estes, é voltar mentalmente ao fato marcante da história e, mais do que isto, é trazer ao presente o Deus Libertador para que ele continue mantendo o processo libertário iniciado há milênios. Assim sendo, pela ação do Senhor, a liberdade torna-se, cada vez mais plena e concreta.
Cristo, no início de sua Paixão, Morte e Ressurreição (Mistério Pascal), fez questão de celebrar a Páscoa com os seus. Desejou ardentemente comer “aquela ceia” com eles (Lc 22,15). E, em plena celebração, anunciou ser ela “Memorial” (1Cor 11,23-26). A figura desaparecia e surgia o figurado: a Páscoa judaica cedia lugar à cristã. Aquela era entre Deus e um povo e esta com todos os povos.
Assim, Jesus tornou-se a Páscoa, o Cordeiro imolado que tira o pecado do mundo (Jo 1,29); o velho templo judaico era substituído pelo novo e definitivo, o seu corpo ressuscitado (Jo 2,13-23). Então, Jesus é o caminho, a verdade e a vida que arranca todos da escravidão do pecado e conduz à casa do Pai (Jo 14,6). É o verdadeiro Moisés libertador. Então, apresenta-se como o Bom Pastor (Jo 10,14)e dá sentido à peregrinação humana. Não caminhamos ao nada, ao absurdo após vida sem sentido. Está garantida vitória final.
Que as próximas celebrações nos façam ver além dos acanhados horizontes deste mundo. Que descubramos ser cidadãos da eternidade e invistamos nos valores perenes (Rm 6,3-11).
É neste espírito que desejo a todos votos de Santa Páscoa. Na Ressurreição de Jesus está a nossa.