Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Terminei o último domingo de maio embalado pela singela festa da coroação de Nossa Senhora. Depois da missa aconteceu a breve, mas tocante celebração. Tudo preparado pelas catequistas, com apoio dos pais, para a alegria da comunidade e, com a marcante participação de nossos catequizandos.
Num lugar destacado estava a imagem de Nossa Senhora Aparecida, sem o manto, sem a coroa. Parecia-me nova, vinda não sei de onde. As crianças, meninos e meninas, vestidos de anjos, participaram da celebração eucaristia. Para evitar voos incontroláveis, os anjos estavam sem as necessárias azas, por sinal, empilhadas no banco. E anjos sem esse meio de locomoção, o são pela metade. Estavam de branco, com coroas e destaque que facilitavam identificar os anjos das anjas. É certo: inquietos esperavam as asas necessárias para os voos rasantes e mergulhos que costumam fazer pelas diversas nuvens, com suas fantasias incontroláveis.
Participaram piedosos da sisuda liturgia dos adultos, ordinariamente pouco compreendida pelas crianças. Havendo grupo destacado delas na missa, como pude e como costumo fazer, me dirigi especialmente aos nossos catequizandos. E eles participaram relativamente bem.
Depois, como já esperava, no final da Missa, teve lugar a coroação de Nossa Senhora. Nossos anjos, devidamente alados, traziam o manto e a coroa da Virgem e carregavam pétalas de rosas; como sempre, mas mais do que sempre, cantando vestiram a imagem da Santa com o manto de rainha, coroaram-na e, na maior alegria e autenticidade, fizeram chover sobre ela as pétalas que carregavam. É certo, os anjos do céu estava com inveja dos da terra, e os adultos, como sempre, ficaram desejando ter os corações puros como os de nossas crianças. O fervor e a alegria eram contagiantes.
Pessoas me procuraram para recordar celebrações semelhantes quando eram crianças.
Ainda neste embalo, pela manhã do dia 30 de maio, na recitação do chamado Ofício das Leituras, fui surpreendido por um texto de São Doroteu que viveu pelos anos 500. O escrito é questionante e parece de nossos dias. Tal questionamento sempre me intrigou. O Santo se interroga: por que tantas vezes, ao escutar alguma palavra desagradável, fazemos que nem ouvimos? E por que, em outras ocasiões, questiona, mal se ouve algo e, de imediato, vem a perturbação, a revolta e o revide. Isto depende muito da situação na qual nos encontramos, afirma São Doroteu que continua: se estamos sob o influxo da oração ou contemplação, suportamos o irmão injurioso e permanecemos tranquilos. Ou então, levados pelo afeto a ele dedicado, tudo toleramos com paciência.
Eu ia lendo e fazendo meu exame de consciência…
Outras vezes, continua S. Doroteu, não retrucamos ao ofensor, por causa do sentido de desprezo que a ele devotamos. Chegamos a nem olhar para a face do ofensor como se fora um ser desprezível.
O Santo continuou fazendo o seu arrazoado.
No fim concluiu: “a causa de toda perturbação, se bem a procurarmos, está em que ninguém se acusa a si mesmo”. E São Doroteu tem razão: se realmente assumíssemos o chamado de Deus que nos quer santos como ele é santo, se constatássemos como estamos distantes de tal vocação, se soubéssemos como dele somos carentes, as acusações ou impropérios que irmãos nos fazem, longe de nos ferirem, seriam tomados como alertas. Praticamente tomaríamos os que nos ofendem, como anjos que nos estão ajudando a fazer o diário exame de consciência que eu criança aprendi fazer, nesta nossa Paróquia, quando membro da Cruzada Eucarística.
“Ninguém se acusa a si mesmo”, conclui sabiamente o Santo. Diferentemente, estaríamos mais abertos a irmãos que, de uma maneira não agradável, tocam em nossas chagas. São como as mãos dos enfermeiros que, para nos curar, põem as mãos em nossas feridas.
Concluo minha reflexão recordando que “Doroteu” significa “presente, dom de Deus”. Como ontem, hoje também, estou sendo agraciado por ele. E partilho com os leitores, estas graças divinas.