Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
Antigo e infeliz provérbio afirma: “filosofia é a ciência que, com a qual ou sem a qual, o mundo permanece tal e qual”. O dito pode ser jocoso, mas no mínimo é contraditório, pois se serve da filosofia, do pensamento, para negar sua utilidade.
O apreciado filósofo e professor Mario Sérgio Cortella, em singela obra dirigida ao povo, afirma que, por meio da filosofia é possível encarar o “cosmos” singela e programadamente. Eu acrescentaria que, por meio dela é possível, mais aprofundada e sistematizadamente, ir descobrindo os mistérios do mundo e sua razão de ser. Nada escapa da sua investigação, pois vai do hipotético “nada” ao chamado de “noesis noéseos”, o pensamento do seu pensamento: Deus. Reitero que a filosofia propicia reflexão mais profunda e sistematizada.
De imediato, o referido pensador passa a considerar brevemente a Fé. No brevíssimo espaço que lhe é dado, e procurando ser acessível a todo tipo de leitores, com carradas de razões, afirma que não basta crer para que as coisas aconteçam. Ele bem sabia que é comum, entre muitos crentes, confundir Fé com Confiança. Ambas são importantíssimas, mas elas não se identificam. Implicitamente o nosso escritor sabe que se a filosofia é riquíssima fonte de sabedoria; mas nem por isso ela é a única. A razão, supremo dom concedido por Deus aos humanos, pode ser fonte para tantos males. E, além dela, existe outra fonte cognitiva que lhe vai além: é o coração. Jamais se afirmará sobejamente que ele tem razões que a própria razão ignora. Tal fonte amorosa é a base da Fé que vai além da Confiança. Então, é de interrogarmos: o que é a Fé?
Ela não é pura confiança, nem mera aceitação de dogmas, de doutrinas, de preceitos morais. Fé é, antes e acima de tudo, acolher “Alguém” revelado por Cristo que é o sacramento do Pai (Jo 14,5-11). Crer, então, é acolher Jesus. Ponto de partida na Fé: aceitar alguém, Cristo, fundamento da razão de ser da criatura humana. Por meio da Fé, ele se torna o único.
Partindo do “crer Cristo”, se passa à segunda etapa: “acolher as propostas do Senhor” por mais absurdas que possam parecer. Exemplo: “amar os inimigos, dar a vida por eles”.
Então, depois do primeiro passo na fé (crer Cristo), e do segundo (crer em Cristo), tem lugar o terceiro: “crer no Cristo”. Trata-se de vivenciar crescentemente e sem fim a comunhão com ele, nele e por ele (Gl 2,20).
Em tais reflexões costumo ilustrar o que escrevi sobre a Fé evocando o início do namoro de dois jovens apaixonados; entre todos os demais, eles se escolheram como os únicos no mundo. Isto faz recordar o Pequeno Príncipe que não viu as outras rosas belas como a que o cativara; afinal, só se vê bem com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos. No caso, a eleição é como o “crer Cristo”, o primeiro passo, na Fé. Entre tudo e todos, o parceiro é o único no mundo.
A partir de então, o casal abraça o “absurdo”: de tal maneira eles se elegeram que se veem prontos a dar salto que parece ser verdadeira loucura: “deixar” o comprovado amor dos pais, a inegável segurança do lar, “para serem dois numa só carne” (Gn 2,24). Por mais profunda que venha a ser a comunhão entre pai e filha, assim como mãe e filho, eles jamais colocam tudo em comunhão como acontece com o casal. Possivelmente este exemplo pode ilustrar até onde deve chegar o envolvimento, na Fé: o crer em Cristo.
A partir do casamento, o novo casal se sente aberto ao infinito: amar sempre e cada vez mais um ao outro. O esposo será sempre verdadeiro sacerdote, como Cristo, para o embelezamento da esposa, o mesmo fazendo ela, como sacerdotisa, para o embelezamento dele (Ef 5,21-28).
Então, a filosofia é rica fonte de conhecimento. Mas existe outra que não é menor; ao contrário, leva à abertura ao infinito: a Fé. Mas Fé que, a partir de Cristo, faz com que o verdadeiro crente relativize tudo, acatando, se necessário, o que ao mundo parece absurdo, loucura. A partir de então, estará aberto para voos cada vez mais altaneiro: a eterna comunhão com o Senhor.