Deram o sangue

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

1º de Julho. Festa do Preciosíssimo Sangue de Cristo. A Família Passionista o celebra solenemente, mas não apenas neste dia; o mês todo é a ele dedicado.

Meus estudos me proporcionaram relativo conhecimento de Hematologia Bíblica: o tratado sobre a riqueza, a profundidade, a amplidão, o sentido e a importância do sangue na Bíblia e na cultura judaica. E ao me propor escrever este pequeno artigo, espontaneamente me veio à mente o título que o encima. Pensei: quando os jogadores de um time menos categorizado dão o máximo de si mesmos para vencer adversários mais fortes, usamos a expressão: “eles deram o sangue” para vencer. Com isso se diz que se empenharam ao máximo de si mesmos; praticamente deram a vida pela vitória. A expressão questiona.

Algo semelhante é dito dos primeiros cristãos que se doavam totalmente por Cristo e pelos irmãos, sendo que, muitos deles eram martirizados.

Para os judeus, ao menos os do passado, a vida se identificava ao sangue. Estupefatos viam-no presente em todos os membros do corpo, assim como correndo pelas veias. Criam ser ele que vivificava os seres animados. Portanto, não comiam “carne sufocada”, a do animal imolado cujo sangue permanecera no interior do corpo (Dt 12,16). Matavam-no, então, cortando-lhes as veias jugulares, fazendo com que a vítima se esvaísse do próprio sangue.  Assim, também, era feito no templo quando imolavam inúmeros animais em sacrifício.

Quando da saída dos judeus da escravidão do Egito, ao celebrarem a páscoa, o sangue do cordeiro pascal imolado lhes foi penhor de salvação. O anjo exterminador, vendo os batentes das casas judaicas marcadas com o sangue da vítima, passava além, poupando a vida das crianças judaicas, mas ferindo de morte os primogênitos dos egípcios (Ex 12,21-30).

Depois, na celebração da aliança Javé-judeus, o sangue foi novamente fundamental. Deus e o povo pactuaram especial aliança, especial casamento, e tal vínculo de amor deveria ser selado com o liame do sangue. Então, foram aspergidos com o sangue de vítima imolada tanto a Tábua da Lei e o altar que representavam Deus e o povo, (Ex 24,4-8). Era a maneira de assegurar o pacto para sempre.

Nos diversos sacrifícios ou imolações no templo, principalmente para o perdão dos pecados, o sangue para as aspersões era elemento onipresente. O mesmo acontecia quando da consagração de pessoas ou de objetos; ele não podia faltar (Lv 8,22-30; Ez 43,20).

Entre todas as celebrações religiosas dos judeus, o dia da Grande Purificação anual, o Yom Kyppur, ocupava lugar destacado; e o sangue era presença fundamental. Afinal, era o dia do grande perdão (Lv 16,1-34; 23,26-32). Na ocasião, o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos onde estava a Arca da Aliança. Só ele podia penetrar naquele lugar reservadíssimo; não sem antes se purificar com libação sanguínea.  E isto acontecia só uma vez por ano. Depois, com uma parte do sangue do animal sacrificado era aspergido o  povo e, com a outra, no lugar de Deus, a Arca da Aliança. Restabelecia-se, assim, pelo rito cruento, a aliança rompida pelo pecado dos judeus.

Essa celebração  purgatória era imagem da grande purificação cristã. Naquele, dava-se o perdão ao povo judeu. No cristão, a de todos os povos (Jo 1,29). No judaico, a purificação era pelo sangue de animal; no cristão, pelo de Jesus (Hb 9,12-15). O Mestre não precisou purificar-se com o sangue de animais sacrificados, como acontecia com o sumo sacerdote judeu (Hb 7,26-28). Dada sua limitação, o rito judaico precisava ser repetido anualmente; a redenção que aconteceu no Calvário foi de uma vez para sempre e universal (Hb 7,27).

O sangue dos animais, tão valorizado pelos judeus em suas celebrações religiosas, mesmo em sua limitação como instrumento purificatório, foi de grande valia para iluminar a redenção sangrenta operada por Cristo (Ef 1,7). Mais clara, ainda, ficou a mensagem e a compreensão das multidões sem número, oriundas de todos os povos, que alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 7,9-14).

Que o mês dedicado ao Preciosíssimo Sangue de Jesus, seja ocasião para dignificarmos nossa redenção, pois fomos adquiridos pelo sangue de Cristo (1Cor 6,20).