Justiça e Paz

Texto de P. Mauro Odoríssio, CP.

Na festa do Preciosíssimo Sangue de Jesus, tive a oportunidade de me dirigir aos bondosos e pacientes leitores tecendo algumas considerações sobre a solenidade. Foi-me muito grato e espero que a reflexão tenha sido de valia.

Hoje, dia 02 de julho, presidindo a Eucaristia, senti-me tocado pelo Salmo Responsorial; ele alimentou minha reflexão pessoal e desejo partilhar algo. Como devo me ausentar da Paróquia por mais de uma semana, resolvi antecipar o contado com meus leitores partilhando um pouco de minha reflexão.

Contudo, surpreendi-me ao constatar que, anteriormente, escrevera algo a respeito conservado pelo meu computador. Questiono-me: será que o escrito anterior foi enviado para a devida publicação? Abuso do adágio do grande violinista que, num dos seus inúmeros concertos, quando apresentava especial “improviso”, sendo pressionado a bisar, saiu-se bem, dizendo: “Paganini não bisa”.

Porém, existe outro provérbio que altissonantemente proclama: “bis repetita placent”: as coisas boas, bonitas, saborosas merecem ser repetidas. Então, voltemos mais uma vez à mensagem de Deus.
No Sl 85(84),11, encontramos a riquíssima mensagem: “Misericórdia e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam”.

Recordava aos participantes da missa, na manhã do dia 02, que ao término da última guerra mundial eu era seminarista adolescente. Todos proclamavam a chegada da paz. Realmente, cessou a troca de tiros, soldados nas trincheiras, bombardeios e coisas semelhantes. Mas também, não havia entendimento entre os povos. No período que se seguiu, foi cunhada a expressão “guerra fria”.

Expus brevemente que em nossa cultura, paz é ausência de guerra. Porém, é lamentável se, mesmo não havendo agressão, os corações continuam carregados de ódio. Paz, em hebraico é “shalom” e, ao se cumprimentarem, os judeus a desejam mutuamente. Aliás, com o nascimento de Jesus, os anjos proclamaram ao mundo: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2,14).
Sem delongas, paz em hebraico supõe a posse de todos os bens, materiais e espirituais, e que ninguém fique excluído de tanta bênção. Procurei ilustrar falando da saúde: basta um único de nossos membros corporais estar mal para que diagnostiquemos: “eu estou doente”. Realmente, a saúde implica que todos os componentes corporais estejam bem e funcionando em harmonia uns com os outros.

Compreende-se que o sentido de paz, nas Escrituras, é rico, é dinâmico, é um pelo outro.

E justiça? Não é simplesmente dar a cada um o que lhe pertence. Ela deve ser como a de Deus. As Escrituras proclamam que Deus é justo não quando premia o bom e castiga o mau. Em caso semelhante ele seria de pouca valia. A justiça divina também é dinâmica: Deus é justo ao nos justificar, ao transformar nossos corações de pedra em corações de carne. Em outras palavras: justiça de Deus é o ato gratuito e transformador pelo qual ele nos justifica. Do pecador ele apenas exige a abertura de coração à sua ação transformadora. Foi assim que Jesus fez com a pecadora (Jo 8,11).
Estas considerações mostram como nossa vida religiosa tem que partir do interior e como deve estar beneficamente aberta a todos os irmãos.
Com isso fica mais claro o que diz a primeira parte do versículo: “Misericórdia e verdade se encontram”. Misericórdia é amor especial que leva a acolher o irmão que não mereceria nada, a não ser punição; e verdade, entre suas diversas acepções, é a autenticidade consigo mesmo, no ser e no agir. Ela exige coração veraz e abertura benéfica com tudo e com todos.

É de se constatar: as duas proposições estão em paralelismo sinonímico, isto é, misericórdia, verdade, justiça e paz estão como sinônimos. Elas formam um todo harmonioso. Como dizem que não há sinônimo perfeito, afirmo que as diferentes nuances entre elas é para se enriquecerem.
Que o riquíssimo versículo do Salmo nos seja programa de vida. Com ele terminamos a reflexão:

“Misericórdia e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam”.