Perdoar as injúrias

Texto de P. Alcides Marques, CP

Estamos refletindo sobre as obras de misericórdia espirituais. A misericórdia supõe que a(s) outra(s) pessoa(s) esteja(m) em situação ou condição de inferioridade. No caso específico desta obra de misericórdia, quem está em situação de inferioridade (espiritual) é aquele que ofendeu. Ofendeu, mas não tem como voltar atrás e precisa do perdão para que possa se reerguer como pessoa humana. É por isso que quem oferece o perdão nestas condições, está praticando uma obra de misericórdia.

Perdoar não é esquecer. Ninguém consegue esquecer uma ofensa recebida. Ninguém tem um controle absoluto sobre os seus pensamentos. É possível não esquecer e perdoar verdadeiramente. Perdoar é não levar em conta; é dar uma nova oportunidade à outra pessoa e, sobretudo, ao amor. Quem perdoa está declarando que continua acreditando no amor. Perdoa muito mais por causa do amor.

Não é fácil perdoar e talvez, humanamente falando, não tenhamos uma capacidade natural de perdoar. O perdão não faz bem parte da nossa natureza humana. O perdão vem da presença de Deus em nós. Na realidade, perdoar é deixar que Deus perdoe através de nós. Sem se lembrar de Deus, é muito difícil um perdão verdadeiro.

O perdão não é propriamente uma questão de obrigação, mas de amor. Quando Jesus fala da necessidade de perdoar o outro (cf. Mt 18, 33-35), apresenta tal necessidade como um apelo, um desafio; decorrente do próprio fato de que precisamos do perdão de Deus. Quando precisamos do perdão de Deus, pedimos que Ele tenha misericórdia de nós. A lógica de Jesus é a seguinte: como precisamos da misericórdia de Deus, precisamos também praticar a misericórdia com os que precisam de nós.

Se o pecado atinge não somente a Deus, mas também aos outros e a nós mesmos, a graça (do perdão, no nosso caso) atinge também a nós quando perdoamos. O resultado é que ficamos espiritualmente mais fortalecidos. Isso porque praticamos um gesto tipicamente divino. Não é fácil perdoar, mas os benefícios para quem perdoa são muitos. Precisamos também nos convencer que perdoar faz bem à nossa saúde. Uma série de doenças é produzida ou prolongada quando somos vítimas de sentimentos de mágoa e ódio. Embora seja uma obra de misericórdia, o perdão beneficia muito mais a quem perdoa do que a quem é perdoado.

O perdão é um ato de misericórdia, mas também exige a justiça. Primeiramente, é preciso que a pessoa a ser perdoada manifeste, direta ou indiretamente, o desejo de ser perdoada. Ninguém precisa viver sofrendo por não conseguir perdoar quem não solicita o perdão. Nesta circunstância, o melhor é não ficar alimentando relacionamentos com pessoas destrutivas. Entregar nas mãos de Deus. Mas mesmo assim, não alimentar sentimentos de ódio e vingança. Jesus pede para amar os inimigos (cf. Mt 5,43-44).

Por outro lado, não se deve perdoar como se nada tivesse acontecido. A ofensa causou prejuízo e o outro precisa ter consciência e manifestar arrependimento e compromisso com um relacionamento mais fraterno. Quando Jesus fala em perdoar sempre – “setenta vezes sete” em Mt 18,21-22 – é porque todas as vezes que as pessoas precisarem realmente do nosso perdão, elas deveriam recebê-lo. Trata-se da necessidade do perdão, não do vício em prejudicar constantemente os outros à espera de perdão. Devemos perdoar sempre a ofensa que é fruto da fraqueza humana. Mas um erro continuado deve ser combatido. Não podemos fazer do perdão um pretexto para sermos sempre vítimas da maldade alheia. O perdão deve estar à serviço do amor, não do egoísmo.