Quem é minha mãe, quem são meus irmãos?

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Acabei de presidir a missa nesta terça feira da 16ª Semana do Tempo Comum. Comentei o Evangelho no qual alguém disse a Jesus: “sua mãe e seus irmãos estão lá fora e o querem ver” (Mt 12,46—50). A multidão se apinhava nas estreitas vielas do bairro pobre de Cafarnaum onde se situava a paupérrima casa de Pedro; Jesus se hospedava lá. Ninguém conseguia achegar-se ou afastar-se do Mestre. Seguramente o recado lhe foi passado de boca a boca. Então, o Senhor questionou: “quem é minha mãe, quem são os meus irmãos? Quem faz a vontade do Pai que está no céu, este é meu irmão, minha mãe”. Agora, aproveito o momento para brevemente partilhar a reflexão com os caros leitores.

É de se afirmar de pronto: Maria é da família pretendida por Jesus; além de ser sua mãe, ela,  mesmo ante a probabilidade de morrer apedrejada como adúltera (Dt 22,23-24), não titubeou e se colocou como serva de Deus, como acolhedora da vontade divina (Lc 1,38).

A melhor compreensão de Mt 12,46-50 pede que, além do texto, também conheçamos o contexto. Em Mc 3,20-23 é dito: “diziam que Jesus estava louco… possuído pelo demônio”. Quem fazia tais acusações: o povo? As autoridades? Os familiares? Os inimigos? Ninguém está excluído, mas não se sabe a quem o texto especificamente se refere. Então, é de se evitar afirmações apressadas, sem fundamentos.

Outro ponto a ser acrescido: é dito na passagem acima citada que sua Mãe e seus irmãos procuram Jesus para falar com ele. Esta afirmação também carece de novas considerações.

No hebraico bíblico não existem palavras a indicar os diferenciados graus de parentesco como em nossa língua; assim, primos, tios, sobrinhos são chamados de “irmãos”. E não é pobreza da língua como acontece no italiano com a palavra “nipote”. Mesmo não tendo a menor dúvida, consultei o dicionário italiano e nele é dito: “nipote: filho do filho ou do irmão. Descendente”. Aqui se trata de limitação da língua pois, neto é bem distinto de sobrinho. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

O hebraico bíblico faz questão de chamar todo parente, próximo ou não, de “irmão”. A finalidade é que todos se sintam “redentores”, que auxiliem o familiar em dificuldade. Onde não existe a justiça ou ela está comprometida, é necessário que os parentes se unam contra a maldade. É o que faziam os judeus.

Depois destas considerações preliminares e aproveitando o espaço que me resta, tomo a liberdade de insistir nas palavras do Senhor: “todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está no céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12,50).

Convido todos os leitores: façamos nova digressão; assim o texto mais refulgirá na sua riqueza.

Pelo fato de nos ter criado, somos apenas criaturas de Deus; mais nobres do que as demais, mas criaturas como elas. Contudo, o Criador quer ser também nosso Pai. Para tanto lhe foi necessário fazer-nos participantes de sua natureza divina. Recebendo tão sublime dom elevante, passamos a ser “filhos adotivos de Deus, herdeiros do Reino; portanto, co-herdeiros com Cristo” (Rm 8,15-17).

Para que não pairasse dúvida alguma, outras passagens confirmam a tão sublime doação e adoção (Jo 1,12-13; Gl 4,4-7). Portanto, não por nossos méritos, mas pela misericórdia divina podemos nos dirigir ao Pai, clamando: “Pai nosso que estais no céu” (Mt 6,9).

O dom da paternidade divina dada a todo ser humano leva, necessariamente, à visão de uma nova família além da carnal à qual pertencemos. Sim, chega-se à conclusão necessária e lógica: pertencemos à família de Deus, somos irmãos e devemos, necessariamente, viver a fraternidade. E, sobremaneira aos que creem, é conferida a missão inalienável, imprescindível, fundamental: assumir a filiação divina e a fraternidade na face da terra e em vista da família eterna no céu. Daqui o desafio: como assumimos o diferente no seu modo de ser, de agir, de pensar? Discriminamos de alguma maneira, o irmão?

O espaço a mim reservado já terminou. Mas não a nossa responsabilidade: no mundo onde surgem tantas barreiras devemos, como Cristo, ser seus destruidores, tendo em vista a fraternidade universal (Ef 2,11-22). É do discípulo do Senhor ser vínculo de fraternidade no mundo perturbado pelo ódio, pela separação, pelo preconceito, pela injustiça, pela exclusão. Até que Deus seja tudo em todos (1Cor 15,28).