Texto de P. Mauro Odorissio, CP
No solo da singela colina Gareb, em Jerusalém, havia pequena alteração chamada Calvário ou Gólgota. No tempo de Jesus, ela estava fora dos muros da cidade. Precisamente aí ele foi crucificado (Jo 19,20). O Evangelista chama de “lugar” (tópos) a quase imperceptível elevação topográfica: “E chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar da caveira” (Mt 27,33). Com a destruição da cidade por Adriano, três séculos mais tarde, o “lugar” ficou menos perceptível. Se assim ficou jamais porém perdeu suas dimensões incomensuráveis pelo que lá aconteceu. Ao contrário, passou a alcançar o céu, a atingir o mundo inteiro e a se aninhar nos corações iluminados pela fé. Tornou-se fonte irradiadora de vida.
Foi o que me passou pela mente quando ontem recitava Is 2,2-3: “Dias virão em que o monte da casa de Javé será estabelecido no mais alto das montanhas e se alçará acima de todos os outeiros. A ele afluirão todas as nações, muitos povos virão, dizendo: “vinde, subamos ao monte de Javé, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos instrua a respeito dos seus caminhos e assim andemos nas suas veredas.” Como efeito, de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém, a palavra de Javé Senhor”.
De imediato, deixei me levar pelo “sentido fundamental”, isto é, pelo que o Profeta desejou dizer quando escreveu o texto. Pensei na Jerusalém tão amada por ele, mas tão martirizada, moral e materialmente, quer pelos seus moradores, quer pelos seus dominadores. Os primeiros não viviam condignamente na cidade tida como santa. Os outros, porque nela não deixaram pedra sobre pedra, incluindo a chamada casa de Deus, o templo; tudo foi arrasado.
Ainda embalado pelo “sentido fundamental”, imaginava a felicidade do salmista quando, ao chegar o tempo das peregrinações, ouvia dos arautos dizerem que era a hora de ir ao templo de Jerusalém: “Oh! Que alegria quando me disseram, vamos à casa do Senhor”. Então, a pé, vencia centenas de quilômetros pelo deserto e se encaminhava para a Cidade de Davi (Sl 122[121],1-9).
Parêntesis necessário. Antes de tudo, o especialista indaga o “autor humano” do texto bíblico: o que desejou dizer ao elaborá-lo? É para descobrir o que chamamos de “sentido fundamental”. Isto é importante e difícil; mas para tal, o estudioso dispõe de inúmeros recursos.
Acontece que, além do “autor humano”, a Bíblia tem, também, um “autor divino”: Deus. Sem desdizer o que fora dito, o Senhor enriquece a passagem com novas revelações; ao “sentido fundamental”, acresce o “pleno”. Assim, em Is 2,2-3, o Profeta vira a montanha de Jerusalém atraindo todos os povos; mas sem saber, referia-se ao especial “tópos” ou “lugar”, ao Calvário que convocaria a humanidade para o verdadeiro amor. É nele que todos devem se amar (Jo 15,12-13).
O “lugar”, sem maior conotação topográfica, geográfica, se transformou em santuário do mais completo e verdadeiro amor: o monte Calvário. É pequenino em suas dimensões, mas monte altaneiro, altar sagrado que atinge todas as alturas, profundidade e dimensões. Nele se perpetrou o crime mais hediondo na face da terra: crucificaram o Autor da Vida e o transformaram em morto maldito (Dt 21,22-23). Mas o Morto na maldição se revelou o Libertador na redenção (Gl 3,13). Bem que ele dissera: “quando eu for elevado, eu atrairei todos a mim” (Jo 12,32). O amor é, naturalmente, ponto de atração.
O Calvário, portanto, tornou-se altar com dimensões universais e nele se revelou a maior manifestação do amor divino.
Voltando ao “da cappo”: quando Isaias, pelo “sentido fundamental” me falou em Jerusalém que atrairia todos os povos, eu me detive na sublimidade da revelação. Mas, pelo “sentido pleno”, eu fui além, fui ao Calvário e, mais do que isto, fui ao Crucificado. E compreendi melhor, então, como S. Paulo da Cruz tinha razão ao afirmar que “ele é a maior manifestação do amor de Deus para conosco”.
O amor se faz presente na face da terra. Que a exemplo do Crucificado, ele cresça e se difunda. E mais, que comece a debelar não só a indiferença, o desamor e principalmente o ódio tão difundido no mundo.
Que todos saibam acorrer ao Calvário e abeberar-se nessa cátedra de amor.