Texto de P. Mauro Odorissio, CP
Toda alma tocada pela piedade, se serve dos mais variados recursos artísticos, para alimentá-la externá-la, vivenciá-la. Compreende-se como o canto, a poesia, a música, a celebração se fazem presentes, quer na vida pessoal, quer na vida comunitária. E os Salmos são um somatório dos referidos recursos artísticos; pedem o estro do poeta, do cantor, do dançante, do celebrador, do músico. Por isso, quer na oração pessoal, quer nas celebrações litúrgicas, eles são presença necessária.
No brevíssimo espaço que é dado, teçamos considerações sobre o Sl 107(106). Antes, porém, imaginemos multidões no grandioso templo de Jerusalém numa celebração comunitária de ação de graças. Todos estão felizes porque passaram por sérias dificuldades e se livravam delas. Todos, festivamente vestidos com as melhores roupas, adornados com os melhores adereços, ungidos com os melhores bálsamos disponíveis. Cantaram, dançaram, e se preparam para comungar da carne das vítimas. Antes, agradecerão a Deus pelos benefícios recebidos. São formados os diversos grupos de agraciados; um mais exultante do outro.
É fácil, no Salmo, distinguir um do outro: 1º GRUPO (vs. 4-9): formado pelos que se perderam no deserto, invocaram o Senhor e reencontraram o rumo certo; 2º GRUPO (vs. 10-16): dele fazem parte ex-prisioneiros que apelaram a Javé e foram libertados; 3º GRUPO (vs 17-22): é constituído por doentes que, às portas da morte, invocaram o Nome Santo e se viram atendidos; 4º GRUPO (vs 23-30): refere-se aos marinheiros e viajantes no mar prestes a serem devorados pelas ondas. Foram atendidos em suas preces.
É de se descobrir o animado dirigente litúrgico, nos vs. 1 a 3 que convida a todos para que exaltem o nome de Deus, pois ele é bom e eterna é a sua misericórdia. O “aleluia” (exaltemos a Javé) deveria ser gritado a plenos pulmões, com a habituais genuflexões que levavam a encostar a testa no chão. O ânimo e o fervor eram contagiantes.
1º GRUPO: (vs. 4-9), o dos que se perderam no deserto. O de Israel é pedregoso, com despenhadeiros profundíssimos (wádi), prontos a devorar incautos. As estradas, quando existiam, eram precárias. Nenhum deserto aceita desafios de aventureiros; facilmente ele se torna túmulo para os seus desafiadores. As ilusórias miragens podem ser o último sonho róseo. Famintos, sedentos, fustigados pelo sol causticante e sem um norte certo, o viandante invocou o Senhor se sentiu guiado ao rumo certo pelas mãos divinas. Agora, exuberante, com colegas, testemunha o benefício recebido.
2º GRUPO (vs. 10-16). Quanto se fala em direitos humanos, em justiça, e como a injustiça está disseminada. O pobre, o indefeso é, potencialmente, uma vítima dos meandros das leis feitas pelos grandes e a serviço deles. Ao contrário, o rico, o poderoso, é também, potencialmente candidato a condecorações, seja ou não correto. Que dizer de pessoas desamparadas que viviam em lugares sem recurso e há milênios. Quantos, justa ou injustamente amargavam, indefinidamente, o peso das algemas, das correntes. Só restavam apelar ao Senhor. Atendido, prostravam-se, agradecidos, ante ele.
3º GRUPO (vs. 17-22). Não obstante as conquistas científicas, a doença continua oprimindo, aviltando o ser humano. Como era a situação das pessoas a milênios e em regiões pobres, sem higiene? Então, apelava ao Senhor e, agraciado, proclamava “em altas vozes” como estava, então, e como se vê no momento.
4º GRUPO (vs. 23-30). Grandes transatlânticos se tornam cascas de nozes ante as ondas agitadas do mar. Que pensar dos que as enfrentavam em verdadeiras cascas de nozes? Nas procelas, formulavam votos e, depois, no templo, sempre de maneira espetaculosa, própria do semita, agradeciam a Deus.
E não faltava o estímulo do animador litúrgico: “Daí graças ao Senhor por suas maravilhas”. E esse convite vai até o final do Salmo, entre os vs. 31-43.
Que estas breves considerações sejam ocasião para refletir a importância dos Salmos em si.
E que, a arte e a fé se congracem nos momentos do Salmo Responsorial, durante nossas Celebrações Eucarísticas.