Natividade de Maria

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

As primeiras nove horas do dia de hoje, 8 de setembro, passei viajando. Entre um cochilo e outro, pude refletir, meditar, contemplar. A solenidade do dia, Natividade de Nossa Senhora, alimentou minha meditação e até mesmo a minha contemplação. O barulho do ônibus não me perturbou. É certo que pensei nos textos apócrifos, isto é, não inspirados, pois não fazem parte da Bíblia. Eu os guardo com veneração, sobremaneira o “Protoevangelho de Tiago” e o “Livro sobre a Natividade de Maria”. Ambos falam de um casal chamado Joaquim e Ana que não tinham filhos e que, depois de muita oração, de muitos suspiros, vieram a ter uma meninazinha à qual deram o nome de Maria.

Ambos os livros são piedosas considerações de nossos primeiros irmãos na fé. Cientes da importância da Virgem na história salvífica, foram escrevendo piedosas considerações sobre Nossa Senhora. Estes escritos, deixemos claro, foram elaborados mais com os corações apaixonados. Os escritores não estava interessados  em salvaguardar a historicidade dos acontecimentos e sim a piedade mariana. Portanto, tiveram como fonte corações enamorados pela grandeza e santidade da Mãe. Todo filho tem direito de elaborar os mais sublimes encômios a quem amorosamente lhe deu a vida. E, por mais que o faça, sempre será devedor.

Contudo, não me detenho nestes preciosos documentos; vou diretamente às Escrituras. Elas são a  fonte da qual se haure os mais preciosos tesouros.  Elas se abrem à devoção mariana.

Como ponto de partida, é de se considerar que primeiro fomos projetos amorosos de Deus. Antes de sermos formados no seio de nossas mães, ele nos chamou à vida. Existimos porque ele nos conheceu e não nos conheceu porque existimos (Is 49,1; Jr 1,5). Presenteando-nos com a vida, não só nos proporcionou finalidade sublime, a de sermos santos como ele é (1Pd 1,16), como nos enriqueceu de graça contínua e permanente, a ponto de podermos clamar que tudo podemos naquele que nos fortalece (Fl 4,13).

Isto se deu de modo especial com Maria. Em vista da “plenitude do tempo” (Gl 4,4), o Senhor a agraciou com graças especiais. Tanto que o Pai, por meio de seu mensageiro, a chamou de “A Cheia de Graça” (Gl 4,4). Assim agraciada e em vista da humanidade toda, ela passou a existir no seio de Santana.

A natividade de Nossa Senhora, que devotamente celebramos, é fruto de projeto sublime na qual todas as pessoas estão inseridas. Dizendo sim em circunstância dificílima, a da probabilidade de morrer apedrejada como adúltera (Dt 22,23-24), a Virgem não somente se abriu à maternidade de Jesus, como também à de todos os seus filhos. Em parto sublime, não menos doloroso do que o de todas as mães, ao pé da cruz, lhe foi dado ser mãe de todos os seres humanos (Jo 19,25-29).

Vinculada à celebração da Natividade de Maria está outra graça, agora a que nos eleva e enobrece: a de sermos templos vivos de Deus, morada do Espírito Santo (1Cor 3,16-17). Ela foi escolhida para ser o santuário do Verbo Encarnado para que o tivéssemos entre nós  e em nós (Jo 1,14), como se viu. Maria nos proporcionou, pelo seu nascimento, pela sua anuência generosa à graça divina (Lc 1,38), tão sublime e rico dom, o de termos Deus em nós (Gl 2,20). Da Maternidade de Maria se originam graças  especialíssimas, verdadeira série de “maternidades”.

Agora é de se afirmar: “nada existe sem razão suficiente”; tudo o que é, serve para alguma coisa. Se isto se dá com as criaturas irracionais, muito mais com as que são dotadas da racionalidade: elas têm nobilíssima razão de ser. Todos os homens e mulheres são chamados ao transcendental. Por isso, Deus se achega aos humanos propondo-lhes especial plano salvífico: a comunhão eternal com ele (1Cor 15,28).

Na origem de plano tão sublime, encontra-se Nossa Senhora. Antes da “plenitude do tempo” ela foi carinhosamente escolhida e, a seguir, sobremaneiramente agraciada, soube dizer sim, embora corresse o perigo de morrer apedrejada. Assim, na festividade da Maternidade Divina, devemos descobrir a importância de Maria em nossa vida espiritual. E é, de todos seus filhos devotados como ela, a Cheia de Graça, dizer ante o Senhor: “eis aqui o servo, a serva do Senhor, faça-se em mim a vossa vontade (Lc 1,38).