Rito e ritualismo

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Rito e ritualismo: próximos e tão distantes! Próximos na raiz morfológica. Mas distantes como Esaú e Jacó que, gêmeos, se odiavam desde o seio materno (Gn 25,20ss). Assim, rito e ritualismo estão, conceitual e entitativamente distantes.

Mas, o que é um e o que é o outro? Para facilitar a compreensão voltemos ao nosso passado.

Agora, enriquecidos pelas refregas da vida, mas sem olvidar o entusiasmo juvenil, podemos evocar a primeira leitura que fizemos de “O Pequeno Príncipe”. Ao Príncipe que procurava amigos para brincar lhe foi dito pela raposa que ela precisava, antes, ser cativada; era necessário criar laços. “O que é criar laços?” desejou saber o garoto. Ela lhe mostrou, então, que é fazer com que alguém seja diferente entre tantos iguais ou parecidos. “Veja”, disse a raposa ao Príncipe, mostrando-lhe os trigais: “O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste. Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo”. E, de modo especial, a raposa suplicou ao Príncipe que a cativasse. Mas ele estava “muuuito” ocupado e não tinha tempo para isso: tinha coisas a conhecer. A raposa não deixou passar a ocasião e disse que só se conhece de verdade o que foi cativado.

As pessoas compram tudo prontinho nas lojas, mas não existem lojas de amigos, então o homem não tem amigos.

Assustado, o Príncipe interroga o que é necessário ser feito. A isso a raposa mostra que tudo é tão simples: é sentar-se ao lado de alguém e, sem dizer nada, trocar um olhar diferente. E a cada dia se sentar mais próximo; sem dizer nada, pois a palavra é fonte de mal-entendidos.

No dia seguinte o Príncipe voltou. A raposa reclamou: “teria sido melhor voltares à mesma hora. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço  da felicidade… É preciso ritos”.

O que é rito, então?

Antes de tudo, é uma celebração, mas não sem sentido; ao contrário, ouso dizer, trata-se de celebração prenhe, rica, que em primeiro lugar traduz um mistério que vai no fundo do peito. Além disto, ela o alimenta e o externa. Tanto assim que o Pequeno Príncipe afirmou que “o essencial é invisível aos olhos”. Para visualizá-lo é necessário um rito. Coisas importantíssimas na convivência humana precisam ser externadas, alimentadas. Esta função cabe ao rito verdadeiro.

Exemplificando: o amor é mistério profundo que se aninha no recanto mais secreto do ser humano, no lado esquerdo do peito, como disse o poeta. Esse tesouro que pede alimento a cada instante do dia, serve-se de muitos ritos para se revelar a alguém: palavras, abraços, beijos. Esta é uma linguagem universal, compreendida por todos. Todavia, ritos em si tão santos e solenes, foram conspurcados pelo traidor que, com beijo e saudação mentirosos, entregou Jesus aos algozes (Mt 26,48-49).

Está bem, me dirá alguém: “o que é o ritualismo, neste contexto?”

Se o rito é uma realidade viva e palpitante aninhada no profundo do coração, o ritualismo se trata de todo tipo de exterioridade como as acima acenadas, mas que não encontram correspondência no interior do coração. Trata-se de enorme equívoco, para não dizer, falsidade, mentira.

A vida religiosa se serve de ritos que são recursos para alimentar e externar os mistérios celebrados, de modo especial, na vida sacramental, como batismo, eucaristia, casamento. Não havendo correspondência e envolvimento entre o referido mistério e a celebração, tudo se torna teatro vazio, enganação ou paupérrima visão animista, imaginando que, com passo mágico, passaria a acontecer algo sobrenatural. Isto tudo sem falar em possível mentira ou sacrilégio. No mínimo, celebração semelhante, seria puro ritualismo inútil, vazio e enganador.

Porém, tratando-se de rito, o Senhor, por meio dele presente, operaria transformações vitalizadoras, santas e santificadoras.

Rito e ritualismo aparentemente são parentes próximos, mas que retratam realidades excludentes. O primeiro manifesta e proporciona vida transcendental e dinâmica. O segundo, além de teatro vazio, pode retratar o sepulcro bonito por fora, mas que no seu interior é só verme e podridão.

O essencial é invisível aos nossos olhos. Que, na vida religiosa, ele seja visualizado, alimentado e concretizado por santas, profundas e autênticas celebrações.