Texto de P. Alcides Marques, CP
Será que a fé tem futuro? Será que a tendência da humanidade no futuro é ter mais ou menos fé? Seria interessante que tivéssemos respostas a estas perguntas, mas, infelizmente, não temos. Podemos até imaginar que sim, mas também pode ser que não. No entanto, mais do que um exercício de adivinhação do futuro, o que conta mesmo é a fé atual. Melhor dizendo: é a fé que temos aqui e agora. Por ora, basta que saibamos que o futuro da fé está diretamente ligado à fé no futuro.
A questão, portanto, não é saber o futuro da fé, mas o que a fé tem a ver com o futuro. Isso sim é importante. No cristianismo, o tema da caminhada é bastante presente. Basta recordar a caminhada de Jesus para Jerusalém, tema particularmente central no Evangelho de Lucas (a partir de 9,51). Também o fato de que os primeiros cristãos eram chamados de seguidores do caminho (Cf. At 9,2). Dizer que a vida é uma caminhada é dizer que não há uma fórmula para viver, uma receita pronta. O aprendizado das coisas (“a certeza de ser um eterno aprendiz”) se dá na medida em que damos passos (firmes e decididos) em direção ao futuro, a algo que ainda não possuímos.
A confiança no futuro é que alimenta o ato de crer. Quando Abraão foi chamado, a voz divina só disse a ele o seguinte: “sai da tua terra e vai…” (cf. Gn 12,1). Não disse mais nada. O desafio para Abraão era: ou ficar no seu mundinho particular ou caminhar para algo que ele não sabia ainda; caminhar por causa da palavra de Deus. “Abraão partiu…” (Gn 12,4). E assim, Abraão se tornou não só o pai do povo de Israel, mas o pai de toda pessoa que crê, “a descendência segundo a fé de Abraão, que é pai de todos nós” (Rom 4,16).
A carta aos hebreus dá uma definição de fé que aponta para o futuro: “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem” (Hb 11,1). Sem dúvida, a carta trata, em última análise, do futuro na eternidade (“Não temos aqui cidade permanente…” – Hb 13,14). Todavia, pode e deve ser entendida também na história humana, referindo-se a qualquer futuro.
Não só a fé religiosa, mas qualquer tipo de fé precisa de uma confiança no futuro e de um caminhar em direção a ele. Os nossos projetos precisam de fé no futuro. Pense em seus projetos pessoais: você não tem certeza absoluta que vai dar certo, mas você confia (acredita) que vai dar certo. O mesmo vale para a constituição de uma família, novos relacionamentos, projetos de Igreja e assim por diante. Em última análise, precisamos da fé e de fé para viver. “O justo vive da fé” (Rom 1,17).
A Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II afirma explicitamente: “Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um (n.43). Essa entrega ao futuro é a grande energia que impulsiona todas as nossas atividades humanas. Se ainda não é assim, deveria ser. Não é verdade?
Crer não é um caminhar sem rumo e direção; ao contrário, é caminhar como se visse o invisível. “Pela fé, Moisés deixou o Egito, sem temer a ira do rei; permaneceu firme, como se visse o invisível” (Hb 11,27).