Donde, onde, aonde

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Mesmo quem não é muito afeito à reflexão tem consciência do lugar onde se situa; vê-se alguém localizado num determinado espaço. A isto chamamos de onde. É algo bem determinado; em sua precisão, o que ocupamos, não é condividido com mais ninguém. É impossível outra pessoa partilhar daquele mesmo lugar. Ela pode estar bem perto, mas o lugar que ocupamos é só nosso.

Daquele ponto existencial é possível que a pessoa, se dotada de um mínimo de prendas reflexivas, descubra que o tal onde foi precedido de um donde. Sabe que antes esteve em lugar distinto, donde veio.

Partindo destas experiências, a pessoa vê-se capacitada a se mover para um projetado aonde, que se distingue dos espaços anteriormente ocupados. Logicamente, sente-se móvel na imensidão indeterminada do espaço que se torna conquistável pelo novo “andarilho”.

Embora o lugar ou espaço propriamente não exista (se existe o lugar, em que lugar ele está?), nós precisamos desta ficção para localizamo-nos na eternidade. Isto é o objeto de nossa reflexão

O que se fala do espaço é aplicável a modos distintos de existir: tenho existência tal, mas mesmo sendo sempre idêntico a mim mesmo, tive a qual e estou aberto a algo especial. Desta maneira, sob o aspecto da moral, a criatura racional se vê capaz de se situar em posições qualitativas diferenciadas como: péssimo, bom, ótimo. Sob o aspecto “temporal”, em aqui, ali e acolá.

Em suas devidas proporções, isto pode acontecer também com os irracionais. Mas os humanos, dotados de razão, podem impregnar tais fenômenos com a racionalidade.

Como nada existe sem “razão suficiente”, como nada vem do nada, é dado ao ser humano, máxime se iluminado pela fé, descobrir-se no coração de Deus, antes mesmo de chegar à existência histórica, no mundo (Is 49,1.5; Jr 1,5; Gl 1,5). A criatura racional vem dum donde para um onde aqui na terra.

Algo semelhante acontece com as coisas que fazemos: antes de dar-lhes existência, nós as projetamos: assim “bolamos” uma casa, uma roupa, uma comida .

A mesma coisa ocorre entre os seres humanos: por mais simples ou mais sofisticadas que venham a ser suas criações, antes de serem feitas são por eles projetadas, “lançadas antes”.

Estas considerações levam o homem a se conhecer como histórico-salvífico. Ele se vê projetado e criado por Deus antes da constituição do mundo para ser perfeito ou santo como o Pai Celeste o é (1Pd 1,16). Este objetivo não é imposto ao ser humano que, acima de tudo, é racional, e a racionalidade implica, em primeiro lugar, o dom da liberdade, assim como o do livre arbítrio. Além disto, a santidade tem como base o amor que só pode ser construído, verdadeiramente, a partir da liberdade.

Contudo, o ser humano caminha entre valores materiais que, não obstante suas limitações, sua transitoriedade, podem absorver-lhe totalmente a razão e o coração. Com isso, tais bens são transformados em verdadeiros deuses ou ídolos. Para possuí-los, ele chega a se transformar em lobo voraz que a ninguém respeita, como disse Hobbes. Então, tudo lhe é permitido: matar, explorar, oprimir. Resumindo: tais pessoas perdem a perspectiva dos iluminadores “donde, onde e aonde”.

Mas o Senhor que a todos deu a possibilidade de vida ampla e profunda, proporciona-lhes pátria definitiva e de plena comunhão, na qual ele será “tudo em todos” (1Cor 15,18). Para que tão sublime objetivo seja exequível, Deus se faz presente com sua graça enriquecedora, solicitante, acompanhadora, nos fortalecendo em nossa caminhada (Fl 4,13).

Então, somos desafiados a olhar amplos horizontes e descobrirmos projeto e riquezas que vão além de nossos limites acanhados. Somos chamados a ser cidadãos da pátria celeste (Hb 13,14). Os riquíssimos donde e aonde devem iluminar nosso onde fugaz, mas que nos propicia resultado transcendental, feliz e definitivo. É importante constatar que Deus não joga dados com nada, muito menos com os seres humanos; ao contrário, ele nos acompanha amorosamente para que possamos concretizar nosso insaciável apetite de eternidade.

Concluindo: somos terráqueos, mas destinados aos páramos celestiais. Não podemos fracassar nossa vocação transcendental. Que o onde, iluminado pelo donde, fortaleça a caminhada para o aonde.