Texto de P. Mauro Odoríssio, CP
Entre outras matérias bíblicas, por muitos anos lecionei “Sinóticos”. Refiro-me aos Livros Mateus, Marcos, Lucas e Atos dos Apóstolos. Os dois últimos foram escritos pelo mesmo Autor: Lucas.
A maioria dos alunos era seminarista. Havia mulheres e todos eram teólogos. A grande maioria almejava ser padre e dedicar-se à vida pastoral, paroquial. Alguns poucos, mesmo como futuros presbíteros, tinham em vista especializações diversificadas. Eu procurava atender a todos os anseios e dar-lhes fundamentação e informação, abrindo janelas para quem tinha ambições mais elevadas.
A chamada “Questão Sinótica”, básica para todos, exigia respeitável tempo de reflexão antes de se abordar os textos dos Evangelhos e o assunto não é nada fácil. A matéria exigia bastante.
Os Evangelhos não foram escritos como elaboramos os nossos livros. O conhecimento do “contexto vital”, dos diversos “gêneros literários” e do processo evolutivo na elaboração, são vitais. Basta dizer que o Evangelho, antes de ser escrito, foi anunciado pelo Senhor, foi vivido, pregado em e para diversas culturas: judaica, latina, grega. Ou melhor, o Evangelho mesmo é Cristo, o bom anúncio do Pai.
Os Livros foram escritos lentamente, para determinadas comunidades e para circunstâncias concretas. Tomando-os como escritos, é de se considerar que cada um teve “muitos autores” e um “redator final”. Lc 1,1-4 é exemplo do que afirmamos; Lucas diz que “muitas pessoas tentaram escrever a história dos acontecimentos que se deram entre nós”. Afirma, então, que “teve em mãos” muitas obras antes de escrever a dele. Com certeza, sabemos que conheceu o texto de Marcos e nada mais. Além disto, ele consultou pessoas, “os que, desde o princípio, foram testemunhas oculares”, a saber, os que conviveram com Jesus. Como bom investigador, confessa que consultou fontes “os que foram ministros da palavra”. Pessoalmente, vejo que ele também se abasteceu em celebrações litúrgicas nas quais os fieis manifestavam e alimentavam a fé. Exemplo concreto são os diversos hinos encontráveis no texto do seu livro, como o Cântico de Nossa Senhora (Lc 1,48-55). Termino este aceno com a observação que nos deixou: tudo ele fez cuidadosamente (akribós), isto é com seriedade, rigor, profundidade (Lc 1,3).
A aparente simplicidade pedagógica esconde a seriedade e a profundidade dos Evangelistas.
Para dar um mínimo de profundidade e evitar surpresas desagradáveis no futuro, dispondo do tempo que me era dado, eu tomava um mínimo do espaço dado à matéria para explicar o processo redacional e a evolução histórica dos livros que chegaram a nós. Mesmo não sendo especialistas, que os alunos tivessem alguma informação básica para não serem presas fáceis de “aventureiros” ou de se escandalizarem, ingenuamente, ante as constantes conquistas exegéticas. Fazia questão de alertá-los: observem que, às vésperas do Natal ou da Páscoa, periódicos absolutamente leigos, se apresentam como “inventores da roda redonda” e levianamente, ou com intenção dúbia, falam de assuntos super-refletidos e até superados sobre os referidos mistérios.
Neste final de 2016, tenho em mãos um de nossos jornais falando do Natal e da Epifania. É de rir, por causa da superficialidade; e de chorar porque, provavelmente visa desestabilizar pessoas menos informadas, estáveis e críticas.
Peço aos leitores que observem como os Evangelistas não deram maior importância ao “nascimento de Jesus”. Mateus apenas acena (Mt 2,1); Marcos não diz palavra a respeito, e Lucas nos dá dados ligeiros, corridos (Lc 1,4-7). João, lacônica, desafiadora, mas aprofundamente diz: “E o Verbo (ou Palavra) se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória, glória do Filho único do Pai, em plenitude de graça e de verdade (Jo 1,14)
Embora a festa natalícia toque bastante o coração dos fiéis, o Natal, em si, está em função do Mistério central do Cristianismo: Morte e Ressurreição de Jesus. Foi em função dele que Jesus se fez homem (Hb 10,5-9). Assim mesmo, daremos continuidade à nossa reflexão sobre o Natal e abordaremos, ainda, a festa dos Magos.
Como o nosso espaço terminou espero, o mais rápido possível, continuar a refletir o Natal e a Festa da Epifania.