Luxúria

Texto de P. Alcides Marques, CP

Em sentido etimológico, a palavra de origem latina “luxuria” quer dizer abundância, extravagancia, excesso. Mais precisamente, vem de “luxus” (deslocado) e “luctari” (lutar). Podemos imaginar algo que está deslocado do seu devido lugar por causa de uma luta, como o caso de um lutador que deslocou o seu ombro em razão do soco de um adversário. A palavra é parecida com luxo, que significa excesso de conforto. Nos tempos antigos (?!), o excesso na sexualidade estava bastante ligado a uma vida de luxo. E assim a palavra acabou se tornando sinônimo de uma sexualidade desregrada, descontrolada.

A luxúria é um dos pecados capitais. E não resta dúvida que uma sexualidade descontrolada é uma fonte permanente de pensamentos, sentimentos e, sobretudo, comportamentos destrutivos. O cristianismo partilha de uma visão que destaca a dignidade da pessoa humana. O ser humano é vocacionado a ser sujeito e não objeto. Nem os outros podem fazer de você um objeto e nem você pode fazer dos outros ou de você mesmo/a um objeto.

A sexualidade é uma força poderosa e tanto pode ser um instrumento de humanização quanto de desumanização, de uma existência animalesca. O cristianismo deveria contribuir para que a sexualidade estivesse sempre integrada a um processo de humanização. Mas, historicamente falando, acabou por cercar a sexualidade de pecados por todos os lados, o que provocou uma separação entre sexualidade e humanização. Com isso, os pecados sexuais foram e são graves por definição. São pecados objetivamente sempre graves; de matéria grave “ex toto genere suo”, ou seja, de matéria grave em todo os seus aspectos (gênero).

A sexualidade humana não deveria ser nem reprimida e nem descontrolada, mas integrada num processo de humanização de cada um em particular e do outro enquanto sujeito. Uma sexualidade descontrolada não é instrumento de humanização, mas uma sexualidade reprimida também não. Por isso, nós cristãos precisamos reorientar o sentido tradicional da visão cristã da sexualidade. Será que precisamos ficar achando pecado em tudo? Será que tem sentido querer enquadrar o comportamento humano em leis? Não seria melhor considerar a moralidade dos atos humanos a partir da pessoa em concreto?

Jesus não considerava o ser humano como um escravo de leis. “O sábado foi feito para o homem (Mc 2,27)”.  O evangelho de São João apresenta a vida plena como uma missão: “u vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). No episódio da mulher adúltera não existe uma palavra de condenação, mas de perdão: “vai e não tornes a pecar” (Jo 8,11). A lei cristã é a lei do amor (a Deus e ao próximo): “toda Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos” (Mt 22,40).

A questão do pecado mortal também precisa ser reconsiderada. Alguns teólogos têm falado em opção fundamental no sentido de se olhar a pessoa como um todo e não em função de atos isolados. Não é repugnante imaginar que o Deus amoroso e misericordioso possa condenar uma pessoa eternamente por causa de um ato isolado tido como pecado mortal?

A sexualidade na ótica cristã precisa ser vista de outra forma. Não em função do medo de pecar, mas em função do amor (a Deus, ao outro, a si próprio). É claro que não estamos falando de amor no sentido puramente sentimentalista, mas de amor no sentido cristão da palavra, um amor oblativo, responsável, comprometido.

A ideia do pecado capital da luxúria existe para nos lembrar dos perigos de uma sexualidade descontrolada e desvinculada do amor verdadeiro; uma sexualidade que tende a tornar pessoas em meros objetos de prazer. Mas a luxúria precisa ser combatida por uma sexualidade saudável.