Texto de P. Alcides Marques, CP
A ira ou cólera é um dos sete pecados capitais. É o mais perigoso de todos, pois pode levar à destruição física ou moral de uma pessoa. Quantos crimes já aconteceram impulsionados pela ira?
A ira está ligada ao impulso de agressividade presente em todo ser humano e também nos animais. Trata-se da resposta emocional ao fato de estarmos sendo agredidos direta ou indiretamente (outra pessoa). Vejamos o caso de uma agressão física: ou nós revidamos a agressão (quando podemos) ou nós nos submetemos a agressão (quando não podemos). Nos dois casos, mas, especialmente no segundo, haverá o desenvolvimento de um sentimento de ira que vai se manifestar em desejos destrutivos em relação ao agressor. Tal impulso não é necessariamente negativo, pois brota da nossa própria natureza. O problema é quando tal impulso não é controlado por nós e nós nos deixamos levar por ele. E assim os desejos destrutivos acabarão se transformando em atos destrutivos. Em lugar da justiça, vai prevalecer a vingança.
A questão não está, portanto, nos sentimentos e desejos destrutivos, pois os mesmos podem ser pontuais e passageiros e rapidamente controlados pela razão. Mas, quando isso não acontece, tais sentimentos prejudicam, sobretudo, a nós mesmos. O cultivo de sentimentos de raiva, rancor, ressentimento acaba se voltando contra a própria pessoa, roubando a estabilidade emocional e chegando a provocar doenças. O pecado da ira é muito prejudicial a quem o cultiva.
Outro problema é que muitas vezes nos sentimos agredidos por pessoas que nem estão querendo nos agredir. Trata-se de uma agressão imaginária, quando interpretamos que os outros querem nos prejudicar. É preciso uma vigilância constante para não desenvolver sentimentos e comportamentos de ira justamente com as pessoas mais próximas.
A tradição cristã fala de uma justa ira. A vida vai exigir algumas vezes respostas firmes e fortes diante de uma injustiça. Uma mãe não vai aceitar calada uma palavra ou atitude de injustiça para com um filho seu. Por outro lado, a mesma mãe pode usar palavras duras para que este mesmo filho não desperdice sua vida ou pratique injustiças. A justa ira também pode ocorrer quando se torna o único meio de nos proteger diante de uma situação ameaçadora.
A Sagrada Escritura também fala de ira de Deus. O Salmo 95 (94) lembra ao fiel o que aconteceu no tempo do deserto “quando vossos pais me provocaram e tentaram, mesmo vendo as minhas obras”. E por isso vem a ira de Deus: “Então eu jurei na minha ira: jamais entrarão no repouso prometido”. A ira divina é uma indignação diante da infidelidade do povo.
São Paulo Apóstolo lembra que a situação de pecado coloca em tese todos nós sob a ira de Deus (cf. Rm 1,18). A ira divina deve ser entendida como uma indignação diante da injustiça e da impiedade. Nós deveríamos ser objetos da ira divina, mas não somos. E não somos por causa da misericórdia de Deus, manifestada na redenção realizada por Jesus Cristo (cf. Rm 3,24).
Embora nem toda ira possa ser considerada pecado, quando a mesma se torna pecado torna-se também um foco de muitos outros tantos pecados. Por isso é que é um pecado capital. São Paulo nos ajuda a entender que a ira pode não se tornar pecado e que cada um de nós deve lutar contra esta tendência da ira de tomar conta de todo o nosso ser: “Irai-vos, mas não pequeis: não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4,26-27).