Texto de P. Alcides Marques, CP
O ato de comer tem um forte componente social. É ao redor de uma mesa que se constrói os mais sólidos laços de fraternidade entre as pessoas. O problema é quando este ato é impulsionado por um desejo intenso e incontrolado de comer e beber. Estamos falando do pecado capital da gula.
A gula é um pecado capital porque através dela a pessoa se torna escrava dos alimentos e em nome desta escravidão, acaba sendo induzida a uma série de outros atos negativos e destrutivos contra si mesma, contra os outros, contra a natureza e, por isso mesmo, contra Deus.
Um detalhe interessante do pecado da gula é que ele prejudica mais a própria pessoa. Comer demais faz mal e o corpo vai cobrar um preço caro por este abuso. Uma coisa é alimentar-se do necessário para uma vida saudável, outra coisa bem diferente é se alimentar além do necessário, por vício. Na oração do Pai Nosso, pedimos o pão de cada dia, ou seja, pedimos ao Pai que nos ajude a conseguir o necessário para viver bem o dia de hoje (não acumular para amanhã). O alimento é parte deste pão necessário.
Em momentos especiais da vida, a alimentação pode ser mais abundante. São os momentos de festa. Lembremos as festas de aniversário, de Natal, de casamento, as quermesses e outras. Esse comer e beber mais decorre do desejo de felicidade pelo encontro com as pessoas. Embora algumas pessoas possam exagerar nestas ocasiões, uma boa confraternização exige uma boa alimentação. Não tem nada de pecado. Fraternidade nunca é pecado. Egoísmo sim. Jesus era caluniado como beberrão e glutão (cf. Mt 11,19), mas na verdade ele simplesmente comia e bebia (como a maioria das pessoas) nas festas em que era convidado.
Como a gula está ligada ao instinto da fome – e este instinto é poderoso -, a consciência é o caminho mais indicado de se combatê-la. Não se trata de combater o instinto da fome, mas de combater a gula. Como? Tomando consciência de necessidade de se controlar o instinto da fome. A questão não é ficar sem comer, mas pensar ao comer. Pensar na própria saúde, nos outros, nos pobres, naqueles que passam fome.
Na parábola do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16,19-31), fica bem evidente o contraponto entre o excesso de comida e a fome dos pobres. Enquanto o rico e seus convidados faziam banquetes todos os dias, Lázaro não podia se alimentar nem com as migalhas. Nós cristãos devemos sempre pensar que no mundo muitas pessoas não têm o que comer. A ONU diz que 800 milhões enfrentam problemas de falta de alimento e, desse número, mais de 100 milhões passam literalmente fome. Aquilo que comemos a mais não deveria ser partilhado com aqueles que nada têm?
A multiplicação dos pães (cf. Mt 14,23-31) nos ensina que o alimento deve ser repartido. O mestre de Nazaré torna abençoado todo alimento repartido. A gula bloqueia este desejo de Jesus, pois o alimento torna-se fonte de egoísmo. Tal como o acúmulo de dinheiro, o guloso vive acumulando comida dentro de si. Instaura a lei da selva, onde aquele que pode mais chora menos. A gula faz com que a pessoa pense somente em si mesma. Jesus, ao contrário, nos diz que o alimento é de todos.
A igreja católica solicita o jejum e a abstinência somente em dois dias do ano (quarta-feira de cinzas e sexta-feira santa). O jejum exige um controle da vontade, ingrediente fundamental para que possamos nos sentir fortalecidos diante dos apelos do pecado. É por isso que o jejum é parte integrante do nosso processo de conversão e deveria acontecer mais vezes.