Vida Eterna

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Tudo aconteceu após almoço entre amigos, quando fiquei conhecendo algumas pessoas. O clima era descontraído e se passou a falar sobre a “Vida Eterna”. Alguém, então, como que para aquecer o debate ou para fazer “leve provocação”, afirmou: “eu não creio nisto, não”.

Meio incontidamente, e com o meu quase sempre incontrolável instinto polêmico, entre rindo e com um mínimo de veneno, rebati prontamente: “que bom! Assim o céu não ficará avacalhado e o inferno piorado!”

Rimos, trocamos alguns chistes, algumas brincadeiras, e a conversa se aprofundou. Foram surgindo ideias, modos diferentes de pensar, de encarar a vida eterna.

Falou-se que, sem visão de vida eterna, abre-se espaço  para a tese do “tudo me é permitido”, a lei do mais forte a explorar os mais indefesos, o aproveitemos a vida porque ela é fugaz, etc. De imediato se falou em “struggle for life”, no embate que leva o mais forte a sobrepujar ou até a eliminar o mais fraco.

Acredito que a não aceitação da vida eterna não leva, necessariamente, as pessoas aos extremos acima elencados. Pessoalmente, conheço várias delas que não se envolvem, racional ou vivencialmente com a questão  de vida após morte,  e mesmo assim,  não se deixam levar por eles. Resumindo: são pessoas corretas, benfazejas e de costumes ilibados, ao lado das quais se está bem e que são modelos até para muitos dos que “creem”.

Em primeiro lugar, a  “forma substancial”, isto é, a alma racional unifica e vivifica o corpo humano. O fato de ela produzir conceitos universais, partindo de um objeto singular, demonstra que é espiritual. Assim sendo, em si, ela vai além das vicissitudes materiais. Isto não a dispensa de ter, de uma maneira ou de outra, corpo para continuar sendo ser humana.

Mas, neste breve espaço para a reflexão, é de se constatar que, diferente dos animais, os seres humanos podem ser melhores ou piores. Os animais, de modo geral, tem o emocional estável. São privados da eticidade. O comportamento moral deles é estandartizado. Assim, tornam-se agressivos, destruidores, em razão do apetite, da procriação, da defesa.

Sem levar em consideração casos patológicos, traumáticos, o ser humano, dotado da liberdade e do livre arbítrio, de um lado, é capaz de optar pelo mal, chegando ao máximo do pior; por outro pode se abrir à perfeição crescente, em vista da comunhão do Ser que é infinito, que não é apenas bom, mas é a Bondade. Esta comunhão é perfectivel crescente com a referida Bondade e com todos os que com ela procuram a união, concretamente, quando Deus será tudo em todos (1Cor 15,28).

A vida eterna, portanto, deixa de ser algo estático, meramente fruitivo, como se fora doce dado à criança e que acaba ou enjoa. Trata-se de ir atingindo sempre e cada vez mais a razão de ser da própria existência. Portanto, a criatura racional transcende todas as demais que se esgotam na existência dos  “terráqueos”, ou daqueles que se contentam apenas com os bens materiais. Precisamos de valores terrenos, mas com a mente e com o coração, naturalmente almejamos o transcendental, ou celestial. Ou mais, precisamente, só em Deus que é Amor, começamos a atingir a tal razão de ser. Por isso somos chamados a ser perfeitos como o Pai Celeste o é (Mt 5,48).

A vida eterna, cuja semente já palpita em nossos corações, deve ser trabalhada em nossa peregrinação terrena e em visão de comunhão crescente, na qual, conforme a citação acima, “Deus será tudo em todos”.

Compreendo então, o fato de Dante ter deixado escrito, para desespero dos condenados, na porta do inferno: “lasciate ogni speranza o voi che entrate” = perca toda esperança quem aqui está entrando.

Resumindo: os seres humanos foram criados para as alturas, para o sublime, para o cada vez mais para o alto, a saber, para ser crescentemente  comunhão com Deus, com os irmãos e com o mundo.