Acídia ou preguiça

Texto de P. Alcides Marques, CP

O Catecismo da Igreja Católica fala em preguiça ou acídia ($1866). Isso porque nas antigas listas dos pecados capitais ora se falava em preguiça, ora em acídia, ora nos dois. A nossa lista atual ficou com o termo preguiça. E é, por isso, que estamos também utilizando este termo. Todavia, como veremos, acídia traz uma ideia mais forte – negativamente falando – do que preguiça.

Em nossa reflexão, preguiça será sempre entendida como sinônimo de acídia. No senso comum, preguiça é “não fazer nada”, não trabalhar, não estudar, dormir demais e assim por diante. O pecado capital da preguiça é mais do que isso. Aliás, se preguiça fosse entendida somente no sentido acima, seria muito difícil falar em pecado capital, ou seja, um pecado gerador de tantos outros pecados.

Na tradição espiritual cristã, acídia é sinônimo de tristeza espiritual ou, se quisermos ficar mais próximos do sentido etimológico, uma tristeza ácida, corrosiva; uma incapacidade de tomar iniciativa, de reagir diante dos desafios da vida. E assim chegamos ao pecado capital, pois este estado de espírito é gerador de muitos outros pecados. A acídia leva a não fazer o que deve ser feito (omissão). E, convenhamos, para viver muita coisa deve ser feita. Viver é construir a vida. Sempre.

Como acontece com todos os outros pecados capitais, existe uma preguiça positiva. Trata-se de “não fazer nada produtivo” para investir na vida interior, nos relacionamentos humanos e fraternos, na integração com a natureza. Trabalho em excesso não faz bem, trabalho também pode ser uma doença. Precisamos de um tempo de ócio (parada). Não de ociosidade: de fazer do ócio um objetivo de vida. São Paulo Apóstolo criticou veementemente aqueles que viviam ocupados em não fazer nada e propôs a eles o seguinte: “quem não quiser trabalhar, também não deve comer” (2Ts 3,10).

Acídia pode parecer igual a depressão. Houve uma época em que se pensava assim. Atualmente, com o avanço da medicina, entendemos a depressão como uma doença.  E é claro que não podemos jamais tratar a depressão como pecado, mas como uma incapacidade de enxergar qualquer sentido no ato de viver. A acídia implica que a pessoa teria condições de ser diferente por um ato de vontade, daí a mesma ser sinônimo de preguiça; não se vence a acídia por preguiça. Para combater a depressão, remédio e acompanhamento; para combater a acídia, força de vontade.

A parábola do administrador desonesto é um exemplo. O senhor da parábola elogiou o administrador porque ele não ficou paralisado diante dos problemas da vida; tomou uma iniciativa (cf. Lc 16,1-8). É assim que o Senhor Jesus quer que sejamos, cristãos comprometidos e responsáveis; não conformados com os limites impostos pelos acontecimentos.

A tristeza ácida não é a mesma coisa que a tristeza “normal”, aquela decorrente de uma forte experiência de perda. Dizemos normal porque é compreensível que a tristeza tome conta de nossas vidas quando ficamos perto de uma perda; quer seja de uma pessoa querida, quer seja de um animal de estimação, quer seja de um emprego, de um tipo de relacionamento… Isso não é acídia, é tristeza simplesmente. E tristeza não é pecado, mas um sentimento humano. Deus nos fez assim. A acídia é uma tristeza cultivada, permitida; não a tristeza imposta.