Texto de P. Alcides Marques, CP
O que significa crer? O que implica o ato de fé? São Paulo Apóstolo afirma que Abraão é o pai de todos os que creem (cf. Rm 4,11). Somos todos descendentes de Abraão segundo a sua fé. A carta aos hebreus diz que “foi pela fé que Abraão, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia” (Hb 11,8). Para entender um pouco mais o que é fé verdadeira, precisamos refletir sobre o jeito como Abraão encarou este desafio.
A vocação de Abraão começa com um apelo (chamado) de Deus: “Sai da tua terra…” (Gn 12,1). A fé se inicia com um convite a sair e ponto final. Só diz que fará dele uma grande nação e que será abençoado. Deus não lhe diz mais nada; não diz o que vai enfrentar ou que será bem sucedido em todos os seus empreendimentos. Abraão precisava confiar em Deus e em sua Palavra e caminhar. E foi isso que ele fez. Partiu rumo ao desconhecido, para a terra de Canaã.
Abraão não tinha filhos, a sua esposa Sara era estéril. Mas ele tinha muitos bens. Ele tinha o futuro garantido. O seu sobrinho Ló praticamente fazia o papel de filho (cf. Gn 12,4-5). Abraão teve que abandonar a sua segurança para ir ao encontro do desconhecido, do imprevisível. Devia sair de sua zona de conforto. Observe que ter fé não é somente acreditar que Deus existe, mas caminhar nesta vida em direção aos caminhos que Deus indicar. A fé sempre vai exigir uma atitude de saída. A fé sempre vai exigir o enfrentamento do medo do novo, do diferente, do imprevisível.
Abraão teve que se separar de seu sobrinho querido Ló por causa de desentendimentos entre os pastores dos rebanhos de ambos (cf Gn 13). Abraão ficou “só”, mas Deus está com ele e, ainda mais, deixa claro que dele e de seus descendentes será a terra de Canaã. O Deus de Abraão é o Deus da promessa. Haja o que houver, aconteça o que acontecer; Deus tem um plano para nossas vidas. E a lógica de Deus é diferente da nossa. Crer é confiar. Foi isso que Abraão fez.
Mas existia um problema: o descendente de Abraão seria um de seus servos? Abraão não tinha filhos. Foi assim que ele pensou (cf. Gn 15,2-3). Mas Deus prometeu que o herdeiro seria de seu sangue. A mulher de Abraão, sabendo que era estéril, deu-lhe sua escrava Agar para que desse um filho a Abraão. E assim nasceu Ismael (cf. Gn 16). Mas Ismael não seria o filho da promessa, pois o filho de Abraão deveria nascer de Sara. Mais uma vez, Abraão teve que superar todas as evidências e a lógica humana (e as soluções humanas) para se ancorar somente na Palavra de Deus. E Deus cumpriu a sua parte: nasceu Isaac (cf. Gn 21,1-6).
Isaac representava para Abraão a garantia do futuro. O sonho tinha sido realizado. Mas Deus, mais uma vez surpreende. Deus pede o sacrifício de Isaac (cf. Gn 22). Abraão deveria renunciar a tudo, inclusive ao futuro garantido. Tudo por causa do apelo de Deus. E mais uma vez ele disse “sim”. Crer é dizer sim a Deus; dizer sim mesmo quando tudo aponta para dizer não. No final da história, Deus não aceitou o sacrifício. O pedido de Deus era uma prova. E Abraão não sucumbiu a esta prova.
É por estas e outras que Abraão se constitui no pai no todos os que creem. A fé é entrega; confiança, risco, caminhada. Fé é seguir a voz de Deus. Fé é sair sempre da zona de conforto para ir ao encontro do desconhecido. A fé é uma aventura. Embora tenha recebido a promessa da terra de Canaã, no final de sua vida não tinha um pedaço nem mesmo para sepultar Sara (cf. Gn 23). Até o fim ele viveu da fé. A Bíblia vai dizer que o justo vive da fé (cf. Hb 2,4; Rm 1,17). É assim que nós devemos viver. Isso é o que se chama fé abraâmica.