Quaresma à vista

Texto de P. Mauro Odoríssio, CP

Entre os mais de cem artigos que publiquei por meio desta página paroquial, este é, no mínimo, o segundo que versa sobre a Quaresma. Esta deve ser tempo forte na vida espiritual da comunidade e de cada um. Isto não acontecendo, deixa-se de construir a tenda preconizada pelo Apóstolo (Mt 17,4). No caso, precisaríamos destruir o barraco circense de vida religiosa ilusória, enganadora.

A palavra Quaresma evoca o número quatro que é base de quarenta: quadragesimal. E número não indica somente quantidade, mas também qualidade. Dizer “meia dúzia de gatos pingados” é referir-se, pejorativamente, a grupo pequeno de pessoas. Ao contrário, falado em “milhares” as coisas mudam.

Tomemos o número quatro como ponto de partida em nossa reflexão. Que salto qualitativo deu a humanidade ao descobrir que a agulha imantada da bússola aponta, inexoravelmente, para o norte. A partir de então, impreterivelmente, com ou sem sol e estrelas, as pessoas, guiadas pelos QUATRO pontos cardeais, se dirigem para o “porto seguro”.  Podemos, assim, ser peregrinos e não andarilhos. Mas para nós, no momento, interessa refletir o QUARENTA, filho querido do “quatro”.

Os judeus, apenas saídos do Egito, libertados por Deus, selaram aliança amorosa com ele (Ex 19,4-6). A partir de então, como povo consagrado, caminharam QUARENTA anos pelo deserto.

Contudo, procuremos o qualitativo e não só o quantitativo em tão importante caminhada. Assim, a nossa QUARESMA não será sucessão enganadora de dias; ao contrário, fará que saiamos da menor para a maior perfeição; assim, em contínua ascensão  ficará para traz o homem velho e surgirá o novo.

Mas, os quarenta anos de caminhada no deserto foram marcados por quedas, por lutas, por defecções, mas também e de modo especial, com fortes e frutuosos momentos de intimidade com Deus. E os judeus caminhavam, com denodo, rumo à Terra Prometida.

Então, para que aprofundemos o sentido do QUARENTA, evoquemos o Senhor. Antes de iniciar a chamada Vida Pública, o período quando anunciou o Reino, retirou-se ao deserto em santa QUARESMA. Por QUARENTA dias teve especiais momentos de intimidade com o Pai, assim como árdua luta contra o Demônio. Não posso ocultar o que me vem à mente, no momento: tendo esgotado todo tipo de tentação, uma vez vencido por Jesus, o Demônio “retirou-se até o momento oportuno” (Lc 4,1-13). Evoco o quanto os exegetas refletiram e debateram até descobrir que o versículo se referia ao momento duro e desafiador no Calvário. Na ocasião, por meio de asseclas, conscientes ou não, tudo fez para detonar o projeto salvífico de Deus (Lc 23,39-43). O Demônio sabe o que e como fazê-lo..

Mas não acabou a história do QUATRO, QUARENTA, QUARESMA.

Antigamente não se batizava facilmente; havia período longo de preparação: evangelização, catequese. Era questão de anos. Afinal, sabia-se que abraçar Cristo implicava possivelmente ser martirizado. Então… ordinariamente o batismo acontecia na Páscoa. Em preparação à solenidade tão marcante, havia especial período de QUARENTA DIAS. Daqui surgiu a QUARESMA que, com o tempo passou a ser celebrada pela comunidade toda e em toda a Igreja, em preparação do Mistério Pascal. Isto, agora, está sendo oferecido a cada um de nós. Como será a nossa resposta.?

Que esse tempo tão rico e profundo não se transforme no que chamei de possível celebração circense. Não brinquemos com as coisas de Deus. Ele nos fala por meio da PALAVRA  e de CELEBRAÇÕES ricas.

A propósito: estou chegando à quadragésima linha do meu artigo; o espaço se esgota.

Possivelmente passaremos distantes a próxima PÁSCOA. Sirvo-me deste artigo para desejar a cada um e a todos, SANTAS CELEBRAÇÕES PASCAIS. Se a distância entre nós será grande, maior e vinculante é a mesa do Senhor. Desculpas e mil agradecimentos pela santa e fraterna acolhida e convivência.

No Senhor Crucificado-Ressuscitado.