Texto de P. Alcides Marques, CP
“A era da incerteza” é o nome de um livro do famoso economista canadense John Kenneth Galbraith, lançado em 1977. Nesta obra, o autor aborda as grandes transformações econômicas e as suas consequências na vida social da humanidade. A palavra incerteza veio para caracterizar a quebra de qualquer sentimento de segurança e previsibilidade. Mas, a nossa intenção não é falar em economia, mas da maneira como os seres humanos estão entendo a vida nos últimos tempos. Poderíamos dizer que a incerteza não diminuiu, mas está se ampliando ainda mais. O que fazer? Abraçar o relativismo ou fugir no passado? É possível dar testemunho cristão nesse mundo em que vivemos?
Sabemos que é difícil caracterizar, em poucas palavras, o nosso mundo. Segundo Zygmunt Bauman, estamos vivendo numa época histórica de transição. Ou seja, o mundo antigo acabou, mas o novo ainda não começou. A revolução tecnológica – basta considerar o caso das redes sociais – tem mudado muito a vida das pessoas e, sobretudo, a maneira de vivenciarem os relacionamentos humanos. Mas este fator ainda não está sendo capaz de gerar algo de qualitativamente novo na organização social. Como interpretar o nosso mundo? Como se comportar nele? Jesus nos alerta: “sabeis discernir o aspecto da terra e do céu; e por que não discernis o tempo presente?” (cf. Lc 12,54-56).
A revista católica “Concilium” dedicou um número inteiro ao seguinte tema “sociedade da gratificação imediata” (número 4, de 1999). Os artigos foram todos no sentido de analisar esta tendência que tem se imposto cada vez mais. Existe uma dificuldade das pessoas em entender que a vida é um processo contínuo de construção. Tudo deve acontecer da maneira mais rápida possível. A indústria dos remédios tem nadado de braçada por causa disso. É que quase tudo se resolve por remédio: emagrecimento, distúrbios do sono, impotência, tristeza e assim por diante. “Pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá; mas, o que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8,35). A questão não está, portanto, na busca desenfreada pela felicidade; pois a felicidade não deve ser buscada em si mesma, uma vez que vem como consequência de uma vida com sentido. Quem quer ganhar, perde.
Ninguém tem mais as certezas de antigamente. E é claro que, com o passar dos tempos, a humanidade vai evoluindo na compreensão das coisas. O problema é que agora estamos perdendo esta dimensão da busca coletiva da verdade em direção ao mundo da opinião pessoal. Cada pessoa possui a sua verdade. Não se busca “a” verdade, já que cada um se contenta com a sua própria verdade. É a instauração do achismo. Bastante diferente da proposta do Evangelho. “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).
O mundo de hoje é seguramente mais individualista. E não devemos ficar pensando que isso seja sempre e necessariamente um mal. Existem vários fatores socioculturais que estão contribuindo para isso. A urbanização, a violência, a internet, as redes sociais, os smartphones etc. Não tem outro jeito: temos que aceitar esta tendência histórica. É o nosso mundo que é assim. O desafio é recuperar a dimensão comunitária da existência humana.
Não recuperar para negar o espírito do mundo, mas recuperar para integrar. Aliás, alguns ex-funcionários das empresas gestoras das redes sociais estão propondo que não fiquemos assim tão fissurados em redes sociais. Eles já estão reconhecendo que as pessoas estão transformando um instrumento de comunicação num vício. “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12, 2).