O Deus escondido

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Dando continuidade ao que se considerou em “No início era a Palavra”, é de afirmarmos, de antemão que, em si, Deus é inacessível. Contudo, ele toma a iniciativa e vem aos humanos das mais variegadas maneiras. Por isso o Profeta nos diz que ele é o Deus escondido (Is 45,15), mas que se revela.

O versículo apresenta vários desafios, mas de maneira geral afirma que, da sua inacessibilidade, ele se achega salvificamente ao ser humano. Trata-se de Deus que se esconde e se revela ao mesmo tempo, como fazia pela coluna de nuvem que o ocultava e que, ao mesmo tempo, mostrava estar presente como guia (Ex 13,21-22). O ponto alto de Deus revelar-se e ao mesmo tempo ocultar-se, se deu em Cristo que assumiu corpo como os demais mortais escondendo sua origem divina.

O ponto de partida deste revelar-se e ocultar-se ao mesmo tempo  está na apresentação de Javé ao dizer “Sou O que Sou” (Ehyeh Ascher Ehyeh), isto é, o quem tem sua essência identificada com a existência (Ex 3,14). Isto significa ser o Eterno, o que não foi criado por ninguém e do qual, todos e tudo procedem.

Esta colocação merece algum aprofundamento. Comecemos com a tese acolhida por todos: nada vem do nada. De há muito, aceitar a geração espontânea, que as coisas vem do nada é, no mínimo,  comprometedor. E é absurdo, ainda, ficar procurando um primeiro sem chegar ao ponto de dizer: antes de tudo e de todos, existiu Alguém eterno, não criado e criador de tudo o que existe. Este Alguém tem a essência identificada com a existência, como se afirmou.

Todos sabem que passamos a existir a partir de um determinado momento. A chamada essência que nos caracteriza, a saber, o corpo material e a alma espiritual, na ocasião, receberam existência. A essência que “existiria no ar” recebeu de Alguém eterno a existência e aqui estamos vivendo, refletindo.

Este Alguém eterno, com a sua “palavra” (não esqueçamos: estamos refletindo a Palavra de Deus), foi criando, proclamando tudo “bom” e colocando as coisas nas mãos humanas (Gn 1,1-2,4).

Agora estamos em condições de adentrarmo-nos mais diretamente no tema de nosso estudo: a Palavra de Deus e o Deus Palavra. O ponto de partida é a afirmação: a Palavra de Deus que refletimos, antes foi o “Deus Palavra” e essa Palavra ou o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1-4.14). Tudo em vista de sermos comunhão com ele.

Desde sempre a natureza é epifania ou revelação de Deus. Contemplando as criaturas e a harmonia da criação, o primeiro humano descobriu que o universo é Palavra silenciosa, mas eloquente de Deus, que lhe chegava ao coração. A criação fala do Criador. Não são palavras ou discursos, mas a natureza se revelava como epifania de Deus. Ainda hoje, o sol, a lua, os pássaros e os átomos continuam falando do Criador  (Sl 19[18],1-7).

O Poeta disse: “Ora, direis, ouvir estrelas. Certo, perdestes o senso!”. Não; diz ele: “Amai para entende-las. Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas!” (Olavo Bilac).  Assim, também, o Senhor, por meio das estrelas, deu especial capacidade aos que estão abertos a ele e a sua mensagem divina. Trata-se da chamada sindérese, a voz da consciência por meio da qual o Senhor entabula especial e amoroso diálogo. É silencioso, mas não menos eloquente. Trata-se da dialogante Palavra de Deus.

O Senhor ainda se dirige a todos por meio de pessoas realmente santas e iluminadas. Pelos seus conselhos, exemplos e testemunho de vida, se tornam verdadeiros luzeiros. Encarando com profundidade este mistério silencioso, se descobre a Palavra de Deus sempre aberta e fecunda.

Mas, nosso objetivo é acolhermos e assumirmos a Palavra de Deus dirigida a todos os seres humanos: a Sagrada Escritura. Nossos corações e nosso tempo devem estar abertos a ela. Que nos preparemos paras as próximas reflexões.