Texto de P. Alcides Marques, CP
Se somos cristãos, somos por causa de Jesus Cristo. E, assim sendo, precisamos frequentemente ajustar nosso modo de ser e agir aos ensinamentos do Mestre. Lembremos, por exemplo, do apelo de Maria nas bodas de Caná: “fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). O problema é que nem sempre o que “Ele disse” é fácil de ser feito. Existem situações que mexem profundamente nas entranhas do nosso ser, o que nos deixa espiritualmente angustiados. No entanto, a proposta cristã não visa o nosso sofrimento, mas a nossa felicidade. Como, então, ser feliz, sabendo desta exigência de amar o inimigo? Como vencer o espírito de vingança? Vamos juntos refletir sobre este desafio.
O Evangelho de São Mateus apresenta este apelo no Sermão da Montanha: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos Céus, porque ele faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,44-45). Jesus está aqui colocando em paralelo a antiga lei (amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo) com a nova lei (amai os vossos inimigos). Convenhamos que não é fácil amar o nosso próximo, quanto mais os inimigos. Acontece que a nova lei não é propriamente uma lei, mas um apelo, um ideal. Na realidade, Jesus está superando a ideia de lei nos relacionamentos humanos. Não tem mais esta história de “você não deve fazer isso” ou “você é obrigado a fazer aquilo”. Diante do amor não tem lei, a não ser a lei do amor. Então, o melhor é entender a fala de Jesus da seguinte forma: “você está convocado, convidado a amar o inimigo”.
Já o Evangelho de São Lucas nos detalha o que seria concretamente este amor. “Eu, porém, vos digo, a vós que me escutais: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28). Fazer o bem, bendizer e orar. O amor que o Evangelho pede não é o amor sentimento, mas o amor ágape (amor-serviço). Você não vai conseguir ter um sentimento de amor para com os seus inimigos. Isso não é possível ou, pelo menos, é muito difícil. O que se pede são gestos concretos: fazer o bem; falar bem (bendizer) e orar. Ninguém precisa cultivar relacionamentos de amizade com os inimigos. Não é bem isso que Nosso Senhor pede. O apelo é para fazer o bem (se este precisar), abençoar e pedir a Deus por ele/a.
Mesmo sabendo que a questão não é sentimental, a experiência de vida aponta para algo muito difícil de ser feito. Isso porque o sentimento de repulsa sempre vai cruzar o nosso propósito de amar o inimigo. O que fazer? Resposta: confiar na graça. Humanamente falando, nós não conseguimos amar os nossos inimigos. Mas… a presença da graça de Deus em nós, nos faz ultrapassar a nossa condição humana em direção a nossa vocação divina. Somos filhos/as de Deus. Não podemos nos esquecer disto. E a nossa experiencia cristã nos ensina que muitas vezes conseguimos amar os inimigos. O que é isto senão a vitória da graça em nossa vida?
Avançando um pouco mais, devemos considerar o quanto o amor aos inimigos nos ajuda a sermos pessoas melhores. Anteriormente, falávamos que a fé cristã visa a nossa felicidade e não o sofrimento. Agora, podemos entender melhor esta afirmação. É que normalmente o nosso maior inimigo somos nós mesmos. Observe os seus vícios, inclusive os vícios afetivos. Comida, bebida, ideias distorcidas, relacionamentos tóxicos etc. Quando olhamos sinceramente para dentro de nós mesmos, o que constatamos é que somos nós mesmos a maior fonte de sofrimento para o nosso ser. Então, quando amamos os inimigos, conseguimos também amar a este inimigo que está dentro de nós e assim este inimigo interior vai deixar de ser inimigo e se tornar nosso aliado. Amar os nossos inimigos, em última análise, é amar a nós mesmos. Vamos sempre pedir esta graça ao nosso Deus, vamos sempre deixar que esta graça seja vitoriosa em nossas vidas. Chega de ódio! Que o amor vença!