Texto de P. Alcides Marques, CP
O senso comum é o caminho mais fácil, mas nem sempre nos ajuda. Muitas vezes, ficamos tão acostumados com algumas ideias, que nem prestamos atenção direito em suas consequências. Uma dessas ideias é a questão de colocar Deus em primeiro lugar. Estamos em época penitencial – mais precisamente na quaresma – e em nossos exames de consciência quase sempre nos vem a pergunta: “estou colocando Deus em primeiro lugar?”. Veremos que tal pergunta, por incrível que pareça, não tem sentido. A ideia de Deus em primeiro lugar não é uma boa ideia.
Willian Young, autor do best seller “a cabana”, escreveu uma outra obra denominada “As mentiras que nos contaram sobre Deus” (Editora Sextante). Tem um momento em que ele aborda a questão acima. Ele diz que, quem pensa assim, geralmente faz uma lista de prioridades e tenta colocar Deus no topo da lista. Aí ele pergunta sobre o que seria propriamente colocar Deus em primeiro lugar (da lista). Reservar uma parte do tempo para alguma prática espiritual? E cuidar ostensivamente de uma filha doente, por exemplo, seria deixar Deus de lado? Alguma coisa parece que não se encaixa.
Vamos refletir juntos! Existe sim o PRIMEIRO MANDAMENTO. Desde o tempo da catequese aprendemos os dez mandamentos e aprendemos que o primeiro deles é: “amar a Deus sobre todas as coisas”. O Mestre de Nazaré, quando indagado sobre o maior mandamento, vai lembrar (a partir de Dt 6,5) que o MAIOR e PRIMEIRO é o seguinte: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito” (Mt 22,37). Mas, lembrará que o SEGUNDO é semelhante (parecido) ao primeiro: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). E – Importante! – vai dizer que estes dois mandamentos resumem toda a Lei e os Profetas.
Se existe o primeiro mandamento e se o primeiro mandamento é amar a Deus da maneira mais intensa possível (todo coração, toda alma, todo espírito), então a lista de prioridades tem sentido? Resposta: não. Amar a Deus sobre todas as coisas ou da maneira mais intensa possível não é a mesma coisa que colocar Deus em primeiro lugar. Isso por uma simples razão: Deus deve estar no CENTRO da nossa vida, ou seja, em todos os lugares. Se pensamos que nossa lista de prioridades deve ser assim: 1º) Deus; 2º) Família; 3°) Trabalho; 4º) Lazer; deveríamos repensar e perguntar se Deus está (ou não) em nossa vivência familiar, de trabalho, lazer e assim por diante.
Amar a Deus sobre todas as coisas é sempre ter Deus como referência maior em tudo o que fazemos. Não é somente uma questão de oração, ler a Bíblia ou ir à Igreja. Cuidar de um filho ou pai doente, tendo o coração em sintonia com Deus e seus apelos de fraternidade é amar a Deus sobre todas as coisas. O mesmo vale para todos os gestos de fraternidade e solidariedade. O mesmo vale para o perdão e até uma festa de confraternização. Não podemos deixar cair no esquecimento que a fraternidade é uma decorrência natural da vivência do primeiro mandamento. “Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20).
Vamos então consertar uma coisa. Em nossos exames de consciência não vamos mais nos perguntar se estamos colocando Deus em primeiro lugar, mas nos perguntar se Deus ocupa o lugar central em nossas vidas, se Ele realmente é o centro de nossas vidas. Se sim, estamos cumprindo o primeiro mandamento.