Necessidade, desejo e fraternidade

Texto de P. Alcides Marques, CP

As experiências humanas precisam ser entendidas o mais corretamente possível, uma vez que a maneira concreta como nós as entendemos pode sim impulsionar erros de avalição e assim criar a falsa sensação de frustração e fracasso. Não é à toa que falamos em “fazer tempestade em copo d’agua”.  Esse é o caso das experiencias de necessidade e desejo.

Em nosso cotidiano, tanto em relação a nós quanto em relação aos outros, nos debruçamos constantemente com as chamadas “experiências de espera”: eu espero (realizar, que aconteça) isso ou aquilo; o outro espera de nós isso ou aquilo. Mais concretamente: eu espero almoçar, fazer uma caminhada, visitar um amigo, ir ao médico etc. Observe, no entanto, que estas experiencias precisam ser entendidas de duas maneiras: ou como necessidade ou como desejo. Se eu (ou os outros) espero é porque está faltando, mas o que falta pode (desejo) ser realizado ou deve (necessidade) ser realizado.

A necessidade, como o nome já diz, se refere a uma experiência absolutamente necessária; que não temos como renunciar. A alimentação, a saúde, um abrigo, a proteção, a presença de outras pessoas devem ser entendidas como necessidade. Não é uma questão de escolha. Na cena da multiplicação dos pães (cf. Mc 6,30-42), os discípulos perceberam que a multidão estava com fome e que deveria ir comprar alimento, mas Jesus diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Trata-se de uma necessidade humana que precisa ser atendida. As curas que Jesus fazia, apontavam para a realização de algo que o outro realmente necessitava. O cego Bartimeu grita: “Filho de Davi, Jesus, tem compaixão de mim!” (Mc 10,47).

O desejo não é necessário, mas é importante. Continuando no exemplo da alimentação: se eu quero comer um prato de lasanha ou uma salada de maionese, eu estou manifestando um desejo, algo opcional (que pode ou não ser realizado). Caso não tenha lasanha ou maionese, eu posso comer outra coisa. É bom que o desejo seja realizado, mas não é necessário. O pedido dos filhos de Zebedeu para sentarem a direita e a esquerda de Jesus (cf. Mc 10,35-37) é um desejo. E esse desejo não pode ser realizado por Jesus. Já nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11) Jesus realiza dois desejos: está presente na festa de casamento e transforma água em vinho.

Os desejos não podem ser continuamente reprimidos e negados. Isso porque os mesmos é que conferem um significado humano à nossa existência. São eles que dão a sensação de que estamos vivendo, existindo, sendo felizes, sendo importantes para os outros. Mas isso não quer dizer que devemos realizar sempre todos os nossos desejos. Precisamos aprender a “negociar” com a vida e entender que o que importa não é a realização de todos os desejos, mas daqueles mais nobres e significativos. A não realização de alguns de nossos desejos é uma experiencia de cruz, mas pode também ser uma experiencia libertadora quando vivida na fé.

A prática cristã da fraternidade vai frequentemente ter que lidar com estas duas experiencias. No que diz respeito à necessidade, não tem outro jeito. É por isso que precisamos ajudar financeiramente (ou até como voluntários) entidades beneficentes, pois muitas pessoas estão precisando de nossa partilha para poderem sobreviver, saciar a fome, encontrar um lugar para dormir, alguém que cuide de sua saúde. Também é o caso do cuidado necessário de uma pessoa doente que convive conosco.

Já no que diz respeito ao desejo, tudo é uma questão de conquista. E é aí que está o tempero da vida. Pensar primeiramente que os nossos desejos podem ser errados, como o dos filhos de Zebedeu: “Não sabeis o que pedis” (Mc 10,38). Pensar também que nem sempre a vida ou os outros vão ter condições de nos ajudar a realizá-los; aprender a lidar com a contrariedade da vida. No que diz respeito aos desejos dos outros, também aprender que nem sempre devemos realizá-los. Dizer não quando tiver que dizer não. Em resumo: desejo é sempre uma questão de conquista, não de obrigação.