Eu sou a verdade

Texto de P. Alcides Marques, CP

Estamos vivendo numa época em que constantemente estamos ouvindo pessoas ou grupos afirmando direta ou indiretamente que são possuidores da verdade, como se dissessem “eu tenho a verdade” e a verdade está comigo e não com os outros. Como são tantas as pessoas, ficamos com a impressão de que cada uma delas possui a sua verdade. Em meio a esse emaranhado de propostas, o Evangelho de São João apresenta Jesus dizendo “eu sou a verdade”; não, eu tenho a verdade.

O NT usa a palavra grega “aletheia” para se referir a verdade. A literatura joanina é rica nesta expressão, que aparece 55 vezes no evangelho de São João. “Eu sou a verdade” (Jo 14,6); “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,32); “Disse-lhe Pilatos: o que é a verdade?” (Jo 18,38).

“Aletheia” quer dizer tirar o véu. Mais precisamente vem de “a” (não) + “lethe” (esquecimento). No mundo da filosofia grega, a verdade é uma questão do intelecto: uma identificação da mente humana com a realidade das coisas. Grosso modo, poderíamos dizer que a verdade está escondida nas coisas e que saber nada mais é do que descobrir (tirar o véu) o que está escondido nas coisas (realidade).

Embora o NT utilize a palavra grega “aletheia”, o sentido que é dado a esta palavra não vem do mundo grego, mas do mundo semita. No antigo testamento encontramos a palavra hebraica “emet” que é traduzida por verdade. “Emet” vem da mesma raiz de “aman” (=fidelidade, apoio, confiança); daí o nosso “amém”: eu creio, eu confio, eu aceito. “Tua justiça é para sempre, e tua lei é a verdade” (Sl 119,142). O sentido semita é mais existencial do que intelectual: a verdade está em Deus e, portanto, nos mandamentos de Deus. O que se pede ao fiel é que confie em Deus; que coloque nele o seu apoio.

Quando Jesus diz “eu sou a verdade”, ele está dizendo que é nele que se encontra a maneira correta de viver. É um convite a confiar nele e fazer dele o apoio em todos os lugares e momentos. A verdade não é algo pronto, mas se constrói no relacionamento com Jesus Cristo e com as pessoas e a criação. A verdade vai ao encontro do amor e se constrói sempre no amor. “Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,21). Pratica a verdade é quem ama de verdade e quem ama de verdade está no caminho de Jesus Cristo.

No mundo pluralista em que vivemos, o desafio maior não está em viver correndo em busca de quem tem a verdade, mas na procura de viver uma vida verdadeira. Vida esta fundamentada no amor-serviço, que se faz verdade na solidariedade, na partilha, na fraternidade possível. Cuidado com as certezas! A verdade será sempre maior do que nós.

Para nós cristãos a verdade é Cristo. Isso quer dizer concretamente que Cristo nos dá a luz necessária para irmos ao encontro de todas as verdades da vida. E será como irmãos e irmãs vivendo em comunidade que iremos construindo a verdadeira vida. Humanamente falando, ninguém tem o monopólio da verdade. Nada de viver na expectativa de que padres, bispos, papa tenham palavras de solução para todos os problemas que enfrentamos. “Os leigos esperam dos sacerdotes Luz e força espiritual. Contudo, não julguem serem os seus pastores sempre tão competentes que possam ter uma solução concreta e imediata para toda questão que surja, mesmo grave, ou que seja esta a missão deles” (Gaudium et Spes, 43).