Texto de P. Alcides Marques, CP
Presença e ausência nem sempre são excludentes. Muitas vezes são até interligadas. Tem presença que é ausência e tem ausência que é presença. Sabe aquela história de estar só fisicamente presente? Como a música da Zizi Possi: “perigo é ter você perto dos olhos, mas longe do coração”. Isso acontece quando convivemos com muitas pessoas e ficamos com a sensação de estarmos sozinhos. Por outro lado, existem experiencias de ausência que se tornam verdadeiras presenças. Na parábola do filho pródigo, o filho mais novo, afastado do pai pelos seus erros, sentiu uma presença misteriosa do pai em seu interior ao reconhecer a bondade do mesmo (que trata os seus empregados como seres humanos). Quantas pessoas e experiencias ficam gravadas em nossa mente e servem de força motivadora nos momentos mais difíceis da vida!
É com essa mistura de presença e ausência que devemos entender a “ascensão de Jesus aos céus”. Trata-se de uma verdade fundamental de nossa fé: “creio em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor… subiu aos céus…”. Se subiu, então está ausente da nossa vida, mundo, história? Em certo sentido, sim. Existe mesmo uma ausência. No tempo da existência terrestre de Jesus, as pessoas podiam se encontrar fisicamente com ele, em carne e osso. Zaqueu subiu numa árvore para poder ver Jesus (cf. Lc 19,3-4). Depois de sua morte, o Senhor apareceu ressuscitado aos seus discípulos e discípulas. “Vimos o Senhor!”, disseram os discípulos a Tomé (Jo 20,25). Neste sentido, a ascensão representa a última aparição do Senhor ressuscitado. O que fazer? Como pensar? Como agir? De ora em diante, os discípulos não contarão mais com a presença física-natural de Jesus para responder estas perguntas.
O plano de salvação de Deus acabou? Não. O próprio Jesus ensina que a plenitude do reino virá num futuro incerto e que não devemos nos preocupar com isso. A nossa preocupação deve ser sim a de dar testemunho de Jesus Cristo em todos os lugares. “Em Jerusalém, na Judéia, na Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8). A melhor preparação para o reino em plenitude é a nossa missão de contribuir para que ele aconteça no dia a dia, em todos os tempos e lugares.
Quando os “dois homens de branco” indicam que os discípulos não devem ficar olhando pro céu a espera da volta de Jesus (At 1,10-11), eles estão querendo dizer que o mais importante é olhar para a terra e plantar a mensagem de Jesus. Jesus subiu e nós devemos aprender a descer; para ir ao encontro de todos os que precisam do nosso amor-ágape: os pobres, os doentes, os pecadores…
O dar testemunho de Jesus Cristo é a nossa missão. O projeto de Jesus precisa continuar na história da humanidade até que Ele venha. E seremos nós cristãos os responsáveis maiores por este projeto. Assim sendo, o nosso batismo não é apenas para participar – muito menos para usufruir -, da igreja em seus atos religiosos. Muito mais, o batismo nos liga à missão do próprio Jesus. “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20,21). Somos cristãos para sermos instrumentos de Jesus no mundo. A ascensão de Jesus representa o início da missão dos cristãos.
Mas Jesus continua presente. A ascensão não é uma ausência, mas uma presença de outra forma. Jesus sempre estará conosco. Mas agora a sua presença (espiritual, mas real) é invisível. E caberá a nós torna-la visível através do nosso testemunho: em comunidade (“onde dois ou mais”); na acolhida da Palavra (“quem me ama guardará minha palavra…); na recepção da Eucaristia (“tomai e comei…”); na fraternidade verdadeira (“tudo o que fizestes…). O “subir aos céus” não deve ser entendido num sentido geográfico, mas teológico: Jesus está agora presente de uma maneira invisível em todos os lugares (o céu é símbolo do infinito). O corpo de Cristo abrange – abraça, acolhe – o universo inteiro. E assim chegamos à feliz conclusão de que a ascensão torna Jesus ainda mais presente do que antes. Cabe a nós dar visibilidade a esta presença.