Todos os Santos

Texto de P. Mauro Odorissio, CP

Domingo próximo, em comunhão com a Igreja no Brasil, estaremos celebrando a Festa de Todos os Santos. Como Igreja Peregrina, a que palmilha neste mundo, seremos comunhão com a Definitiva. Alegrar-nos-emos com os irmãos que já estão na comunhão com o Pai, na chamada Igreja Gloriosa.

É de se antecipar: não se trata de trocas interesseiras entre “os de lá”, aguardando louvores, velas e flores, e “os de cá”, esperando graças, bênçãos e favores. A vida religiosa não é barganha comercial, e sim, comunhão e fraternidade. “Os de lá” sendo modelo, protótipo e comunhão, e “os de cá”, procurando exemplo, luzes e incentivo. S. Agostinho, ante a multidão de bem-aventurados oriundos de todos os povos, de todas as idades, de todas as condições sociais e culturais, como era próprio dele, sintetizou lapidarmente: “si isti et istae, cur no ego?” = “se estes e estas, por que não eu?”. E, contando com a graça divina, assim como com o estímulo de tantos irmãos e irmãs, chegou aos píncaros da santidade.

A Liturgia da Festa evoca os bem-aventurados, procedentes, em primeiro lugar, do povo judeu. Não era a totalidade deles, mas a multidão era grande e bem representativa: as doze tribos judaicas se faziam presentes e a soma total chegava a cento e quarenta e quatro mil pessoas. Depois, o olhar do Escritor Sagrado se voltou a um cortejo incomensurável: era formado de todos os povos, nações e línguas do mundo. Ninguém podia contar o número dos participantes. Felizes, vestiam vestes brancas e tinham palmas nas mãos.

A palma é sinal de vitória. Portanto, os participantes do cortejo eram vitoriosos e estavam recebendo prêmio, reconhecimento. No mínimo eles passaram por trabalhos, por lutas. Resumindo: houve esforço pessoal na caminhada do bem, da santidade.

Mas, o interessante é que nas mãos tinham palmas. A palma sempre foi sinal de vitória e não existe vitória sem lutas. Tudo pedia explicações. Então, para dirimir toda e qualquer dúvida, um dos anciãos da corte celeste explicou ao boquiaberto Escritor Sagrado: “estes são os que alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro” (Ap 7,1-17). O mistério estava revelado.

Porém, é estranho alvejar a veste no sangue do Cordeiro. Ao menos aparentemente, é contraditório alvejar a roupa branca no azul do anil corante. Porém trata-se do sangue do Cordeiro, o único em  condições de purificar o interior do ser humano; a verdadeira e completa purificação acontece no e do  Crucificado. Realmente, é ele quem tira o pecado do mundo (Jo 1,29).

Estas imagens mostram, em primeiro lugar, que é dada a todos a graça de se santificarem, de atingirem a razão de ser da própria existência. Ninguém, de todos os povos do mundo, está excluído de fazer parte do séquito do Cordeiro. Além disso, a santificação é dom de Deus e não exclui quem quer que seja. Finalmente, é afirmado que cada qual deve corresponder a tão sublime dádiva celestial. Deus quer que todos sejam santos, como ele o é (1Pd 1,15-16).

Deus é misericordioso e dadivoso e a ninguém nega as suas graças. Contudo, ele jamais se impõe, não é ditador e a santidade é obra de amor: o Senhor se faz presente com a sua graça santificante, estimulante. Cabe às criaturas humanas colaborarem.

Por que, então, celebramos a Festa de Todos os Santos? Em primeiro lugar, não é para que encontremos um ou muitos que “nos quebrem o galho” em nossas necessidades imediatas. Para enfrentarmos os problemas do dia a dia, o Senhor nos enriqueceu com as mais variegadas graças.

Celebramos, portanto, a festa de Todos os Santos para neles descobrirmos estímulos e modelos de virtudes por eles vivenciadas. Serão nossos intercessores, no céu, mas também alguém que, em santa comunhão nos encorajem e sejam modelos para nós. Nestes ou naqueles santos encontraremos exemplos de vida e de santidade.

Que em nossa peregrinação terrena, quando sentirmos o peso de nossas responsabilidades, e quando certo abatimento pesar sobre os nossos ombros, sintamo-nos por eles estimulados.